
Sabe quando paramos de assistir apenas lançamentos ou filmes e séries modinhas e damos aquela famosa zapeada nas plataformas streaming (Netflix, Amazon Prime Video, Globoplay, HBO, etc)? Então! Foi numa dessas “fuçadas” que encontrei, na Netflix, o filme Onde está Segunda, nome original What Happened to Monday?. O longa-metragem, lançado em 2017, mistura suspense e ficção científica num futuro distópico, porém, que dialoga com questões que debatemos no presente, como, por exemplo, nossos hábitos de consumo.
Dirigido por Tommy Wirkola e com nomes como Noomi Rapace, Glenn Close, Willem Dafoe no elenco, o filme te prende do início ao fim. Noomi Rapace vive sete identidades diferentes, com uma atuação que eu julgo digna de Oscar. Ainda que com uma nota baixa pelos críticos de cinema, eu, como cinéfila de carteirinha e amante dos discursos nas entrelinhas, falo dele com admiração e respeito.
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O filme é representado num futuro distópico, no ano de 2073, em que os recursos naturais da Terra estão cada vez mais escassos devido ao aumento crescente da população. Após a América do Sul tornar-se um imenso deserto, começaram a produzir mais alimentos geneticamente modificados, para aumento da produção em pouco espaço físico. O resultado foi catastrófico, pois o consumo desses alimentos fez com que aumentasse o nascimento de gêmeos, trigêmeos e múltiplos, o que agravou ainda mais o aumento populacional.
Nessa situação, surge a ideia de fazer o controle de natalidade. Nicolette Cayman (Glenn Close) é a mentora de uma proposta radical, regulamentando a lei que cada casal pudesse ter apenas um filho. Caso tivessem outros, esses seriam processados pelo governo e confinados em ambiente criogênico para serem despertados num futuro em que tudo estivesse sob controle.
Aceita por todos os países, a lei criou uma agência implacável que fiscaliza os cidadãos através de pulseiras eletrônicas. Ainda assim, Terrence Settman (Willem Dafoe) consegue esconder suas sete netas, todas com o codinome Karen Settman, nome de sua mãe, que faleceu no parto. Para isso, fez com que cada uma delas se revezassem nos dias da semana, conforme seus nomes. A Domingo só poderia sair aos domingos, a Segunda nas segundas, terças às terças, e assim sucessivamente. Por 30 anos conseguiram seguir essa rotina. Saíam, viviam seu dia de Karen Settman e ao final desse dia compartilhavam tudo com as irmãs, a fim de que todas estivessem a par do ocorrido, para não gerar deslizes. Mesmo tendo personalidades e gostos diferentes, conseguiram levar a identidade Karen Settman por longos 30 anos. Até que uma delas, misteriosamente, não retorna para casa. É aí que começa o mistério e, para saber mais, terão que assistir o filme, pois sou absolutamente contra spoilers.
O que eu vim abordar, de fato, é o alerta que o filme traz, a mensagem que nos faz refletir. O discurso nas entrelinhas, nem é tão nas entrelinhas assim. Tá alí escancarado. O filme gera aflição. É genial a representação do tormento do aumento populacional, com o cenário entupido de gente, o trombar dos corpos, o ir e vir e o fundo cinzento de um futuro apocalíptico, caótico. Até que ponto isso não é uma realidade do hoje? Talvez não na quantidade populacional, mas no consumo exacerbado, frenético, desenfreado, desmedido. Vivemos numa época em que o “ter” se sobressai ao “ser.” Uma geração que prioriza as aparências e que valoriza marcas, modinha, dinheiro. Tudo isso associado a uma falsa sensação de poder. Onde o “ter mais”, significa “poder mais”.
Isso fica claro quando vemos alguém que tem dinheiro ou fama não ficar detido um dia sequer na prisão ao cometer uma infração ou crime, como por exemplo, atropelar e matar alguém estando dirigindo sob efeito do álcool. Enquanto alguém sem dinheiro, fama ou poder, esse sim, estaria comprometido por alguns bons anos. Ainda mais se a pessoa na condição de pobre, de anônimo, atropelar o inverso dele, o do “poder”.
Há uma cena do filme que é extremamente repugnante, porém necessária, o tapa na cara da sociedade. A mistura do jantar, a proteína, a carne, era uma ratazana. Isso mesmo, verdade nua e crua. Será que precisamos chegar a esse ponto para aprendermos a valorizar tudo o que temos hoje? Até quando o planeta vai suportar o desmatamento, a caça ilegal, os lixões, o plástico, a poluição, o esgoto?
Outra situação perceptível e indispensável nessa análise, e que vivenciamos no nosso presente momento, é o poder do governo sobre nós. Ah, mas isso não! Jamais o Estado vai intervir na quantidade de filhos que devo ou não devo ter!
Será? Será mesmo?
Ele já intervém!
Intervém quando nos ditam com que idade ou quantos filhos podemos fazer uma laqueadura ou vasectomia. Menos que dois filhos, jamais!
Intervém se você engravidar mesmo não querendo, ou não podendo! Aborto é crime, portanto, terá que tê-lo. Não importa se está casada e já tenha os seus, se apresentar não ter condições, se argumentar e provar que usava métodos contraceptivos, nada! Nenhum fator fará com que você possa interromper sua gravidez. Uma vez grávida, mãe será. Quer mais intervenção governamental que isso?
Agora diz se o filme não dialoga exatamente com o que vivemos? Não podemos ignorar!
Se a crítica foi tão dura com esse filme, eu não serei. O filme é ótimo, a protagonista nem se fala. Atuar representando sete personagens e ao mesmo tempo um só, não deve ter sido nada fácil.
Fato é que o filme é excepcional e nos faz refletir atitudes e conceitos do início ao fim. E vale, ah se vale!, vale muito a pena assistir.