Diário de Curitiba

Para que serve o julgamento do julgamento?

Foto: Arte ilustrativa/Agência PT

Uma das notícias que mais me chamou a atenção nos últimos dias trata do resultado de uma pesquisa de opinião sobre a decisão do Ministro Fachin que declarou a incompetência da famosa 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba para julgar alguns dos casos que têm como réu o ex-presidente Lula pela falta de ligação entre estes casos e os atos de corrupção cometidos na Petrobrás que são o objeto da Operação Lava-Jato. Em resumo, o PowerPoint parece não ter convencido Fachin.

Não é o caso de discutir aqui o mérito da decisão, até porque a matéria ainda será reavaliada em colegiado. Importa muito mais neste momento o discurso camuflado pela tal pesquisa. “DataFolha: Maioria vê Lula culpado e acha que Fachin agiu mal ao anular condenações”, diz a manchete da Folha de São Paulo do último dia 21. Antes de mais nada, quero parabenizar os 5% que responderam não saber opinar sobre o assunto, categoria quase sempre tratada com desdém pelos veículos que divulgam este tipo de pesquisa, já que se trata de uma opinião que não gera nem amores e nem ódios. Costumam aparecer apenas na última linha da matéria, só para fechar a conta dos 100% de entrevistados. Por que parabenizá-los? Pela honestidade. Quantos dos 2023 entrevistados pelo DataFolha tiveram acesso aos processos (para além do que receberam pela imprensa e grupos de whatsapp) de forma a poder afirmar categoricamente que o ministro agiu bem ou mal?

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É claro que todo mundo pode ter uma opinião pessoal sobre o que bem entender. O problema é que atualmente somos compelidos a ter opinião sobre absolutamente tudo e, pior, a expressar essa opinião. Se você não tem opinião a apresentar sobre a polêmica da vez, você é irrelevante (como os 5% que ousaram não saber opinar sobre a decisão do Ministro Fachin). Julgamos o tempo todo e de uns tempos para cá somos incentivados por mecanismos sociais diversos a dar publicidade à nossa “sentença”. Julgamos a Karol, o Arthur, a Sarah. Julgamos o vizinho que tem uma vida diferente da nossa. Julgamos o filho. O chefe. Culpados. Intime-se, publique-se.

Não nos enganemos, esses julgamentos morais são importantíssimos. São a forma como moldamos nossa personalidade e servem como uma espécie de rascunho dentro da cabeça para as nossas ações em sociedade. “Isso me pareceu uma atitude correta, aquilo me pareceu errado. Quero agir assim e não daquele outro jeito.” Tão importantes que devíamos nos preocupar em julgar o que nos importa, o que nos afeta. Acontece que a dinâmica da sociedade contemporânea, em especial a linguagem das redes sociais, nos tira o controle sobre o filtro que permite definir o que nos é pessoalmente relevante ou não.

No caso da pesquisa citada, a pergunta principal não serve nem mesmo para o entrevistado se colocar no lugar do juiz e imaginar como ele agiria se estivesse naquela situação, pelo simples motivo de que ele não teve acesso aos dados técnico-jurídicos que embasaram a decisão. A pergunta real era outra, não é segredo para ninguém. “Você gostaria que fulano pudesse participar das próximas eleições?”E sobre essa pergunta sim, os entrevistados podem falar.

Mas então eu não posso julgar uma decisão judicial? Pode, claro que pode. Tenha você decidido fazer isso ou tenham decidido por você, você pode. Mas lembre-se de que o julgamento moral que você faz é uma coisa, o jurídico é outra. A diferença é que o parâmetro para o teu julgamento moral está na tua lista de valores pessoais, o do juiz obrigatoriamente passará por parâmetros previstos na lei. Quando você diz para o entrevistador do DataFolha que o Ministro Fachin agiu bem ou mal, você não precisa ler os autos do processo e nem conhecer o direito que se aplica ao caso. Não haverá ampla defesa e nem contraditório. Só a tua consciência (sempre limpa, não é mesmo?) buscando uma resposta no banco de dados dos teus valores pessoais e pronto, você fez justiça. Para a tua (nossa) sorte, o efeito imediato desse justiçamento moral não passa de uma breve reflexão pessoal sobre o assunto e a resposta a uma pesquisa eleitoral disfarçada, porque se o teu comportamento fosse julgado pelos mesmos critérios que você costuma usar para julgar, seria declarado culpado com uma frequência muito maior do que imagina.

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