Diário de Curitiba

Ivermectina e Covid-19: especialista responde 16 dúvidas sobre o medicamento

Professor Marcelo Molento – Foto: Marcos Solivan

Desde o início da pandemia de Covid-19, o uso da Ivermectina no tratamento da doença vem sendo discutido por pesquisadores, tendo sido descartado como ineficaz por inúmeros cientistas. Em parte da população brasileira, entretanto, permanecem as dúvidas sobre o assunto. O pesquisador Marcelo Molento, médico veterinário e professor da Universidade Federal do Paraná, que estuda o medicamento há mais de 25 anos, responde abaixo a 16 dúvidas relevantes sobre o assunto:

Qual foi a grande revolução, da qual tantos falam, sobre a descoberta da ivermectina? E por que foi parar no senado americano nos anos 80?

A grande revolução da descoberta foi devido ao seu amplo espectro de ação contra parasitos e a sua ampla margem de segurança. Após o lançamento na área veterinária, a empresa Merck lançou a ivermectina para humanos em 1986, já atrelada a uma campanha de controle da oncocercariose ou cegueira dos rios, doença que afetava mais de 120 milhões de pessoas em vários países da África Central, Oriente Médio, Ásia e América do Sul. Naquela época, o senador Ted Kennedy declarou que a droga faria um grande bem para a humanidade. A empresa já dobrou o programa de prevenção na África e hoje estuda a ação da ivermectina contra a malária.

Clique aqui agora e receba todas as principais notícias do Diário de Curitiba no seu WhatsApp!

 

 

 

O que a medicina veterinária tem para auxiliar a medicina humana quando se fala sobre ivermectina? Já existe muita resistência dos parasitos, é isto? E como a ivermectina está ligada aos programas de saúde única?

Nós, na medicina veterinária, usamos a droga em protocolos terapêuticos de forma ampla desde o inicio dos anos 80 e temos experiência em várias frentes, como a clínica, a farmacologia e os tratamentos em massa. Mesmo sobre a farmacovigilância, que é o conhecimento de efeitos indesejáveis do produto nos animais temos larga experiência. O processo de resistência é algo que nós também conhecemos muito bem, desde os anos 60 com a chegada dos benzimidazóis para uso humano e animal, a diferença é que os animais são mantidos em áreas restritas e a seleção de populações é mais rápida. Um ponto importante que discutimos é sobre a seleção de parasitos resistentes, seus mecanismos de ação (marcadores moleculares, genômica) e possíveis estratégias para retardar este processo. Este tema tem todo o apelo da Saúde Única, porque estamos falando de um produto que é utilizado no mundo todo para o controle de doenças de base, em países com grande dificuldade em seus sistemas de saúde e com falhas no tratamento da água e sistema de esgoto. Assim, verminoses como a lombriga (Ascaris sp.) podem ser eficientemente tratadas com ivermectina tanto em animais como em crianças em situação de risco.

Como as suas parcerias com pesquisadores da América Latina têm auxiliado nas suas investigações sobre a ivermectina?

Participo de grupos de pesquisa em vários países na América Latine e Caribe, com pesquisas básicas e aplicadas. Trocamos informações, cursos e a orientação de alunos de pós-graduação. O interesse em estudar mais sobre a ivermectina é que ainda podemos melhorar muito nossas realidades, tentar ampliar a área de cuidados e fazer com que vilas inteiras sejam protegidas. A FAO e a OPAS/OMS sempre são parceiras importantes também. Estamos trabalhando com técnicas de RNA de interferência para desenvolver novas terapias, nanopartículas e mudando a estrutura molecular da ivermectina para determinar frações mais eficazes.

Desde os experimentos in vitro na Austrália com o Sars-CoV-2, o que mais podemos dizer que reforça o reposicionamento desta droga?

Descobrir novos usos para a ivermectina em um momento como este seria muito interessante e desejável. Alguns laboratórios que usam modelos farmacológicos com programas potentes de cálculo estão testando novas formulações e possibilidades. A área é muito interessante, porém ainda estamos no campo das suposições. Isto ocorre principalmente porque os modelos sugerem doses além das registradas como seguras e que não foram testadas in vivo.

Do ponto de vista farmacológico, quais poderiam ser os benefícios da ivermectina? E quais as reais evidências dos seus efeitos até agora?

O maior benefício da droga no contexto de hoje, seria determinar sua ação antiviral especifica. Entretanto, desde marco de 2020, com o único estudo in vitro, nós não temos esta evidência. Todos os estudos clínicos realizados e os que estão sendo conduzidos em ensaios pré-clínicos não podem ser utilizados como fonte de comprovação da eficácia da droga. Existe pelo menos 4 a 5 formas de conduzir um estudo e no caso da ivermectina, as falhas são marcantes. Ultimamente, uma parte da mídia tem tentando usar falsos artigos para causar algum impacto. Creio que a palavra enganação é forte, porém adequada para este momento, visto que nenhum estudo comprovou a eficácia da ivermectina no caso da SARS-Cov-2. O mais surpreendente é que políticos, secretários da saúde, médicos, repórteres e comentaristas famosos ainda insistem no discurso de que o kit-covid está salvando vidas. Isto não é verdade e todos estão vivendo uma chance matemática de não contrair a doença – a grande eficácia na verdade é a baixa taxa de contaminação e de mortalidade do novo corona vírus. As curvas de casos nos estados, não foram alteradas pelo uso excessivo do kit ou da liberação de medicamentos ditos para uso como prevenção. É um erro comparar a curva do Amazonas com a do Pará, de São Paulo com a do Rio de Janeiro e a mesmo entre cidades com populações semelhantes, principalmente por que existirá muito pouca coisa semelhante entre o ambiente, o clima, o trânsito de pessoas, a taxa de contaminação e até mesmo o habito cultural entre seus habitantes. Estamos vendo na Internet algumas autoridades jurarem que em suas cidades a contaminação é baixa devido ao uso do kit e isto é um discurso falacioso e muito prejudicial para outras comunidades, pois incentiva o uso das drogas de forma leviana, podendo ser prejudicial ao sistema de saúde local.

O que faz com que políticos e agentes de saúde recomendem o tratamento precoce, com tanto material mostrando que não há eficácia nisso?

É realmente surpreendente que muitos de nossos agentes públicos tenham adotado tal atitude. Existe liberação do kit em alguns municípios, oferecidos por prefeituras, por entidades sociais, médicas e até mesmo por igrejas. Todo o motivo de preservar a saúde e evitar novos casos seria justificável, caso tivéssemos um produto com dados comprovados ou mesmo com efeito marginal com observação extraoficial, entretanto, no caso da ivermectina e das outras drogas do kit isso não existe. Este incentivo beira a farsa e está causando o início de uma intoxicação medicamentosa em massa na população. Claro que algumas pessoas toleram uma dose alta de um medicamento (assim como ao álcool), porém a maioria tem apresentado diarreia, tontura, fraqueza, e estão indo para os hospitais, que já estão sobrecarregados. É um transe de fanatismo, ora incitado por políticos, ora incitado por repórteres que supervalorizam os relatórios sem comprovação de médicos em algumas cidades no Brasil.

Como a indústria nacional se manifestou a respeito do uso da ivermectina no tratamento da COVID-19?

A indústria nacional está vendendo como nunca. Alguns profissionais médicos estão lutando para que exista mais e mais venda do produto e isto só pode estar atrelado na relação que existe com a indústria. A Merck fez um comunicado mundial, alertando sobre a “não eficácia” da ivermectina contra a SARS-CoV-2 e a nossa indústria correu dizer que a Merck não vende no Brasil, então a sua declaração não serve para este “mercado”. A Merck vende para o mundo todo e tem clientes no mundo todo, nós aqui no Brasil não sabemos sobre nada em relação a qualidade do produto e nem de suas características mais simples. A bula do medicamento vendido no Brasil não tem todas as informações necessárias para o consumidor. Somado a isto, imagine uma empresa lucrar R$ 1 bilhão (é com B mesmo!) no ano vendendo placebo!

O que as evidências clínicas relatadas por vários médicos significam para a comunidade científica?

O mundo está abismado com os exageros que estão sendo cometidos na América Latina, aonde presidentes, ministros, governadores e prefeitos estão recomendando um tratamento que está intoxicando a população. Alguns colegas britânicos e americanos não estão entendendo porque eu estou tão envolvido com a ivermectina. Ocorre que nestes países existe muito mais restrição de uso, com a necessidade de receita médica para a venda. Aqui não – você assiste um médico falar na rádio online e corre comprar! Como a nossa mídia circula em Português e Espanhol, o mundo também nem fica sabendo destas barbaridades. A classe médica internacional olha para a comunidade no Brasil e fica estarrecida, mesmo que pequenos grupos no exterior sejam a favor do uso. Na visão de muitas autoridades locais, nós estamos enfrentando a pandemia com toda a nossa experiência prática e isto não verdade, estamos mostrando nossa latinidade, isto é: usar um medicamento sem nenhum critério científico, inclusive indo opostamente ao que diz a ciência. Falasse tanto em apoiar a ciência e as universidade e na verdade, isto não existe muito não. Precisamos mudar esta imagem.

Quais poderiam ser os efeitos do uso supressivo da ivermectina para influenciar a situação dramática que estamos vendo nos hospitais e no número de infectados e pacientes graves nas UTIs? Houve algum impacto na curva da COVID-19 durante o uso do medicamento?

O uso desenfreado do kit está causando uma piora do quadro dos nossos hospitais. Tivemos o Pai de um deputado federal aqui do Paraná que se arrependeu de ter usado o kit, com a ivermectina quando estava na UTI. Muito triste. Tenho falado que estamos na fase de fanatismo e agressividade, porque basta você falar sobre ivermectina, que os dois lados saem para o ataque. A população não tem como acreditar em argumentos falaciosos que estão em uma parte da mídia, no YouTube, e em páginas de grandes comentaristas nacionais. Assisti duas entrevistas recentemente, que incentivavam o uso da ivermectina, detalhando artigos científicos e tendo a participação de doutores. Claro que isto causa uma comoção e 300 mil pessoas foram influenciadas, já estando em estado de medo e desespero. Entretanto, o entrevistado era físico e o artigo não era científico. Foi a entrevista mais fake que assisti neste último ano, junto com mais 50 mil pessoas, que compartilharam este absurdo. O outro era de um epidemiologista que ficava falando em como a ivermectina é segura e pode ela pode livrar todos da sarna, visto que não faz mal para a saúde. Outro absurdo! Deixando as coisas bem claras, não existe nenhuma alteração nas curvas de taxa de infecção ou mortalidade com o uso do kit.

O reposicionamento da ivermectina é possível contra este vírus? E quais são as técnicas que estão sendo avaliadas?

Este assunto é muito interessante e estamos debruçados nisto para achar soluções terapêuticas contra o SARS-CoV-2. A OMS divulgou algumas drogas antivirais que apresentaram resultados pré-clínicos promissores. Hoje, os chineses estão testando mais de 100 plantas medicinais de sua medicina tradicional, nós temos estudos com fitoterápicos, e com a ivermectina. Alguns grupos estão trabalhando com programas potentes para modelar a melhor forma de usar a ivermectina também e isto tudo leva tempo. Assim como tudo na ciência básica. As técnicas de reposicionamento não ocorrem do paciente para o laboratório e sim no sentido do laboratório para estudos in vitro e depois ao paciente sadio. Para então entrar na fase de testes no ambulatório. A ivermectina está sendo trabalhada a partir dos dados da Austrália e as doses ainda estão muito altas para serem recomendadas. Não dá para pensar em uma terapia com doses 1000x maiores do que as que foram testadas em humanos nos anos 80. Pensando em segurança e no efeito em longo prazo de algumas opções de tratamento, a ivermectina ainda não pode deve ser usada nas pessoas.

Como os modelos da farmacologia podem auxiliar nas novas etapas de pesquisas com a ivermectina?

Em se tratando de ivermectina, a veterinária está mais avançada do que a humana. Existem algumas formulações muito interessantes que podem prolongar a permanência da molécula no paciente e assim manter seu efeito por mais tempo. Esta influência na farmacodinâmica está sendo estudada, assim como os riscos na farmacovigilância. Novamente, os programas são muito úteis, versáteis e poderosos para rodarmos modelos de previsão, entretanto tudo levará alguns anos para termos as primeiras evidências.

Fale sobre a segurança do medicamento e os efeitos colaterais que estão sendo relatados ultimamente?

Hoje em dia, estes dois assuntos estão cada vez mais próximos e não deveriam. O que antes era um medicamento seguro, largamente testado e utilizado com mais de 1 bilhão de doses administradas, nunca foram observados tantos efeitos adversos como agora. Os programas de uso em massa na África Central, em que a ivermectina é usada para matar a microfilária do parasito Onchocerca spp. e outros parasitos, são o melhor exemplo de uma droga, utilizada dentro do maior critério e protocolo de prevenção e tratamento. Para cuidar deste assunto, a ANVISA tem um sistema de relatório chamado de VIGIMED (anvisa.gov.br/vigimed), que recebe os dados de efeitos adversos, dentro do sistema de farmacovigilância. Entretanto, fui avaliar como anda a quantidade de relatos oficiais para a ivermectina durante a COVID-19 e não achei nada. Médicos e profissionais de saúde podem colocar as informações livremente, porém existe uma imensa subnotificação em relação a ivermectina. Inclusive a anotação pode ser voluntária, porém, mesmo assim não temos dados. Talvez as pessoas não façam este relato para não causar um mal-estar político ou porque simplesmente não estamos cumprindo nosso papel como sociedade, sem alertar os outros sobre os potenciais riscos de uma intoxicação medicamentosa. No caso das outras drogas do kit-covid, ocorreu um aumento de mais de 600% nos relatos ao VIGIMED. Para ilustrar ainda mais, médicos que atendem na UTI no Brasil todo, relatam que mais de 80% das pessoas entubadas, fizeram uso de ivermectina ou outras drogas do famoso kit-da farsa.

Você pode confirmar a possibilidade de os efeitos tóxicos chegarem ao fígado, rins, pulmão e intestinos? Como o uso da droga pode afetar pessoas de grupos de risco, como idosos, imunossuprimidos ou que fazem uso de medicamentos de uso contínuo?

Sim, temos proteínas (P-gp, P450, ABC-MDR1) que protegem estes órgãos funcionando como agentes de detoxificação. O uso de medicamentos em grandes quantidades e com alta frequência (duas das piores situações hoje) pode saturar tais sítios nas células destes órgãos e fragilizar a sua proteção fisiológica. A ivermectina fragiliza inclusive o sistema nervoso central por atravessar a barreira hematoencefálica, após atingir a saturação nos tecidos. Ocorre que, normalmente este efeito deveria ser curto e rara (abaixo de 0,1%) manifestação aguda, porém no caso de medicamentos de uso prolongado, com o intuito de “prevenir e curar” a virose, os danos podem ser irreversíveis. Além disto, existe o risco da má interação droga-droga, o que também poderia levar a quadros de intoxicação aguda e que ainda não foram estudados para as drogas do kit. Então, os grupos de risco que estão listados na pergunta estariam na categoria ainda não estudada e que temos que proteger com todo o conhecimento e ter muita cautela. Vejo famílias inteiras tomando ivermectina para que alguns possam retornar ao trabalho, porém também com o objetivo de proteger seus familiares que estão no grupo de risco. Meu alerta neste sentido é de esclarecer que o uso de medicamentos sem nenhuma comprovação terapêutica, pode colocar as pessoas em risco ainda maior, visto que nosso sistema de saúde está em colapso e não temos condições de atender mais casos graves e que poderiam ser evitados com o distanciamento e o uso correto dos protocolos da OMS.

Sua nova abordagem sobre o uso intenso da ivermectina tem sido nos efeitos de médio e longo prazo da eliminação da droga no meio ambiente e a seleção de organismos não-alvo. Como seria este impacto? Quais são as comunidades mais afetadas por esta contaminação?

O uso da ivermectina na medicina veterinária é muito grande e sabemos como isto pode ser danoso ao meio ambiente, tanto para a fauna coprófaga presente no esterco animal, como para cursos d’água. Muito destes estudos foram feitos na Europa e nos EUA e avaliados por agências reguladoras ambientais. No Brasil, somos os campeões no uso de ivermectina em animais de fazenda e nós não temos estes dados. Desta forma, me preocupo com as novas populações que poderão ser afetadas com o contato de doses tóxicas ambientais da ivermectina usada em humanos. Centenas de crustáceos e peixes são usados para alimentação, água para beber e ainda os alimentos produzidos em ambiente úmido (rúcula, agrião), seriam a linha de frente com altas taxas de contaminação. Temos ainda a contaminação do solo dos rios, lodo de esgoto sem tratamento e o efeito na cadeia alimentar: peixe – aves – gaviões. Novamente, estamos falando de Saúde Única e já foram encontrados valores muito altos de ivermectina em gaviões. As comunidades que não têm acesso a água tratada e nem ao sistema de esgoto, somam mais de 50% da população do Brasil e podem estar diretamente expostas aos efeitos colaterais do medicamento em doses de partes por milhão (ppm). Animais e humanos não deveriam receber doses elevadas ou por tempo prolongado do medicamento, com o risco de ameaçar ambientes de interesse ecológico, com grave impacto social.

O que podemos esperar sobre o tema de microbioma, com o uso da ivermectina?

Na última década, as pesquisas com microbioma tiveram um grande avanço e hoje já temos mais de 14 mil artigos científicos publicados. Esclarecendo sobre o que devemos esperar destas pesquisas, o microbioma não é somente o estudo da população de bactérias (vírus e fungos também) presente no nosso organismo (bilhões e até trilhões), porém é a determinação da função que a comunidade de bactérias pode ter na orquestração de uma resposta ou a ação direta como resposta de uma agressão na parede intestinal, como uma diarreia persistente causada pelo medicamento, por exemplo. O uso massivo de ivermectina agride a parede intestinal e o fígado diretamente, então não podemos descartar a real possibilidade de uma alteração na função do microbioma. Este equilíbrio é sustentado por nossa alimentação, estado emocional e até mesmo por um complexo mecanismo epigenético. Colocamos este equilíbrio em jogo ao suprimir sua colonização com altas concentrações do fármaco, causando então potenciais danos. Essa mudança no equilíbrio gastrintestinal, pode inclusive gerar uma nova colonização oportunista, na tentativa de uma restauração ou adaptação. Essa nova interação pode resultar em sérios danos ao organismo, incluindo a seleção de bactérias resistentes aos antibióticos, entre drogas com mecanismo de ação semelhante, piorando a situação clínica de pessoas em risco e até mesmo as consideradas muito saudáveis. Creio que esta deva ser uma nova linha de pesquisas para os próximos anos – modulação do microbioma em resposta ao uso de ivermectina e demais drogas do kit-Covid.

Quais as características que devemos olhar para avaliar um estudo que tem o objetivo de comprovar o uso da ivermectina cientificamente na COVID-19?

Primeiro, as revistas cientificas devem ter um número de ISSN, editor, corpo editorial, política de publicação, regras de apresentação de artigos, escopo, tudo muito claro. Já os artigos científicos devem ter um número DOI, lista de autores, e-mail para contato e uma série de características no conteúdo, como uma abordagem neutra, um desenho experimental adequado e registrado em Comissão de Ética Humana ou Animal, análise estatística robusta, resultados sem desvio de interpretação e uma discussão clara, objetiva e sem direção ou desvio. É interessante verificar que os artigos que tratam da eficácia da ivermectina não apresentam vários pontos destes. Recentemente, li um artigo falso de ivermectina que trazia o nome de um pesquisador que ganhou o prêmio Nobel e publicado em 2021, em uma revista japonesa que interrompeu sua circulação em 2014. Uma grande fraude e os absurdos não param por aí.

Existe um modelo de protocolo clínico-ambulatorial para os testes com a ivermectina?

No campo hospitalar, os protocolos sugeridos pela OMS podem ser considerados simples de serem executados (https://www.who.int/clinical-trials-registry-platform), enquanto existir uma equipe de retaguarda e grande estrutura, inclusive financeira das instituições envolvidas. Porém, existe uma nevoa na condução dos estudos com a ivermectina. Vou tentar ser claro e breve na explicação. Além de toda a identificação do local e profissionais envolvidos, o protocolo cadastrado na OMS deverá obter o agente financiador, número de pacientes envolvidos, como estes serão recrutados (termo assinado) e os critérios de inclusão e exclusão. O protocolo terapêutico deve ser bastante simples e não deixar dúvidas sobre a validade estatística na hora das análises, por exemplo; não existe grupo controle nos hospitais, pois sempre os pacientes serão tratados com protocolos internos. Assim, a ivermectina será adicionada em um protocolo e nunca será usada sozinha. Daí vem o dia-a-dia do estudo, medindo a duração de internamento hospitalar, condições clínicas, carga viral, efeitos adversos e mortalidade. O estudo deverá ainda ser registrado no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos ou Brazilian Clinical Trials Registry (ReBec). Alguns poucos estudos foram registrados no Brasil e talvez o mais completo tenha sido um em São José do Rio Preto. Neste momento, temos 39 estudos sendo conduzidos no Brasil para SARS-CoV-2 e desses, nenhum está usando ivermectina, somente dois em fase de recrutamento.

Colaboração SUCOM UFPR

Sair da versão mobile