Diário de Curitiba

Aos 84 anos, Jô Soares deixa um legado na TV brasileira, no teatro, literatura e cinema

Jô Soares – Foto: TV Globo / Zé Paulo Cardeal

Ele sempre foi cheio de graça. O humor na ponta da língua, a inteligência aguçada, o raciocínio rápido e o amor pela arte eram suas marcas registradas. Chorava pelas coisas boas, nunca pela tristeza. Vaidoso, chegou a dizer que ‘já nasceu querendo seduzir o mundo’. E assim o fez, em mais de 60 anos de carreira, com personagens históricos na TV brasileira, mais de 200 personagens e 14.000 entrevistas. Jô Soares morreu aos 84 anos na madrugada desta sexta-feira, dia 5. O ator, diretor, escritor e humorista estava internado no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, desde o fim do mês de julho e a causa da morte não foi divulgada. Como ele mesmo dizia, ‘a morte é a única coisa que não se pode repetir’.  

Filho único do empresário paraibano Orlando Heitor Soares e da dona de casa Mercedes Leal Soares, José Eugênio Soares nasceu no Rio de Janeiro em 16 de janeiro de 1938. Teve um único filho, Rafael Soares, que era autista e morreu em 2014, aos 50 anos. Rafael era fruto do relacionamento com a atriz Therezinha Millet Austregésilo, com quem Jô Soares foi casado entre 1959 e 1979.

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Ainda pequeno, Jô Soares morou no anexo do hotel Copacabana Palace e aos 12 anos mudou-se para a Europa, onde viveu por cinco anos. Estudou na Suíça, aprendeu vários idiomas e queria ser diplomata. Mas a arte falou mais alto. Em 1958 voltou com a família para o Brasil e começou a frequentar aulas de teatro.

Já em 1959, interpretou o papel de um americano na chanchada “O Homem do Sputnik”, de Carlos Manga, estrelada por Oscarito; escreveu para o “TV Mistério”, programa da TV Continental, dirigido por Adolfo Celli, com Paulo Autran e Tônia Carrero no elenco; e começou a trabalhar na TV Rio, incentivado pelo dramaturgo e humorista Silveira Sampaio, em programas como “Noites Cariocas”.  

Mudou-se para São Paulo em 1960 e começou a trabalhar na TV Record escrevendo o “Simonetti Show” e atuando em programas como o “La Reuve Chic”, “Jô Show”, “Quadra de Azes”, “Show do Dia 7” e “Você é o Detetive”. Jô Soares também
interpretou o mordomo do seriado “A Família Trapo” com Otello Zeloni, Renata Fronzi, Ronald Golias, Cidinha Campos e Renato Corte Real no elenco. 

A estreia na TV Globo aconteceu em 1970 com ‘Faça Humor, Não Faça Guerra’. Três anos depois, atuou como ator e redator ao lado de Max Nunes e Haroldo Barbosa em o ‘Planeta dos Homens’. Ganhou destaque com ‘Viva O Gordo’ (1981), época em que criou o bordão “Um beijo do Gordo!”. O título veio da peça “Viva o Gordo e Abaixo o Regime!”, sucesso do teatro no qual o humorista fazia críticas veladas
à ditadura. 

Entre os tipos marcantes que viveu nesta época estão o Reizinho, personagem sempre às voltas com os problemas do reino, uma sátira à situação política do país; o Capitão Gay, super-herói homossexual que usava um uniforme cor de rosa e andava sempre acompanhado de seu ajudante Carlos Sueli (Eliezer Motta); e o Zé da Galera, que ligava para o técnico da seleção brasileira de futebol e pedia “Bota ponta, Telê!”. Simultaneamente, Jô Soares apresentava um quadro no ‘Jornal da Globo’ e, em 1983, fez uma participação especial no musical infantil “Plunct, Plact, Zuuum”.  

Jô Soares, o escritor

Como jornalista, escreveu para as revistas Manchete e Veja e para os jornais O Globo e Folha de S.Paulo. Em 1983, lançou seu primeiro livro, “O Astronauta sem Regime”. Com o romance “O Xangô de Baker Street” (1995), entrou para a lista
dos mais vendidos. O livro, que virou filme em 2001, dirigido por Miguel Faria Jr., já foi traduzido para uma dezena de línguas. Também é autor de “O Homem que Matou Getúlio Vargas” (1998), “Assassinatos na Academia de Letras” (2005) e “As Esganadas” (2011). Em 2016, foi eleito para a Academia Paulista de Letras.

A vida nos palcos

Ao longo da carreira, atuou em montagens importantes como “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, e “Oscar” (1961), de Claude Magnier, ao lado de Cacilda Becker e Walmor Chagas. Como diretor assinou as montagens de “Soraia”, “Posto 2” (1960), de Pedro Bloch; “Os Sete Gatinhos” (1961), de Nelson Rodrigues; “O Estranho Casal” (1967), de Neil Simon, com Lima Duarte e Francisco Milani; “Romeu e Julieta” (1969), de William Shakespeare, com Regina Duarte; “Brasil da Censura à Abertura” (1980), de Sebastião Nery; “Frankenstein” (2002), de Eduardo Manet; “Ricardo III” (2006), outra de Shakespeare, pela qual ganhou Prêmio Qualidade Brasil; “Às Favas com os Escrúpulos” (2007), de Juca de Oliveira, e “Três Dias de Chuva” (2013). 

Também estrelou espetáculos de humor como “Ame um Gordo Antes que Acabe” (1976), “Viva o Gordo e Abaixo o Regime!” (1978), “Um Gordoidão no País da Inflação” (1983), “O Gordo ao Vivo” (1988), “Um Gordo em Concerto” (1994) e “Na Mira do Gordo” (2007). Adaptou e dirigiu “Libertino”, de Eric-Emmanuel Schmitt (2011). “Atreva-se”, em cartaz em 2014, teve direção de Jô e contou com Julia Rabello e Marcos Veras no elenco. 

Talk shows 

Com vocação para uma boa conversa, o primeiro programa de entrevistas apresentado por Jô Soares foi o ‘Globo Gente’ (1973). Em 1988, no SBT, criou e apresentou o “Jô Soares Onze e Meia”, onde ficou por 11 anos.

No ano 2000, Jô Soares voltou à Globo para o ‘Programa do Jô’, acompanhado do garçom Alex e do Sexteto, que, em 2015, virou Quinteto. Pelo sofá passaram personalidades, políticos e figuras anônimas – nacionais e internacionais. Uma
das primeiras entrevistas da estreia do programa foi com o jornalista Roberto Marinho, fundador da TV Globo, gravada nos jardins da sua residência. 

No dia 16 de dezembro de 2016, Jô Soares se emocionou em seu programa de despedida após 16 anos no ar, em que entrevistou o cartunista Ziraldo. “Que alegria ver tantos amigos queridos aqui na plateia. O programa só durou esse tempo todo graças a essa equipe. Minha vida realmente mudou graças à plateia, sem vocês eu não existo. A todo esse pessoal, meu eterno beijo do Gordo”.

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