Diário de Curitiba

Pode votar em mulher por ser mulher sim

Precisamos falar sobre como a rivalidade política feminina beneficia homens.

Antes de me entender feminista, já circulava em espaços políticos. Cresci indo a tira cola em eventos políticos em Jataizinho, uma cidade de 12 mil habitantes. Reunião de bairro, reunião com candidatos, reuniões de conselhos, sessão em câmara municipal, comícios, eventos religiosos (sim, religião é política, uma política religiosa) missas, grupos de infância missionária, pastoral da criança, grupos de reflexão, festas de arrecadação de fundos tanto para campanhas eleitorais quanto para arrecadação de fundos beneficentes e etc.

Com meu pai, a parte masculina, do meu conhecer e vivenciar a política, aprendi muito sobre as relações da política institucional: partidos e suas divisões internas partidárias; legislativos (câmara de vereadores, assembleias estaduais, deputados federais e senadores) e executivo (prefeituras, governos estaduais, presidentes). E com a minha mãe, a parte feminina, aprendi sobre toda a outra política, a não institucional: igrejas, movimentos sociais, a política que mais gosto e a que mais demorei pra reconhecer como pratica política que vou chamar aqui de “política feminina de cuidado”, aquela que alimenta e cuida de pessoas doentes ou não mesmo o Estado falhando ou simplesmente ignorando.

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Quando olho para a minha infância, adolescência e inicio da vida adulta é impossível não compreender a importância dessas duas primeiras pessoas de referência política na minha vida. Conheci de verdade o feminismo através da Marcha das Vadias, em 2011, e desde então entendo porque demorei a compreender que existe um modo feminino de fazer política e um modo masculino de fazer política. O Feminismo só me despertou para o modo feminino de fazer política.

Exemplo ilustrativo de política masculina – Câmara Federal dos Deputados: Impeachment de Dilma, 2016

Demorei a compreender que existe diferença de gênero na prática das relações políticas, porque só nomeamos o modo masculino como Política, todo o resto ou é politicagem, ou religião, movimento de rua, frivolidades, festas, lazer, afazeres domésticos, assistencialismo, carestia, cuidado… qualquer coisa menos relações política. Principalmente se for algo considerado “coisa de mulher”. A convivência dentro de uma casa é política.

Dizer que qualquer mulher não deveria ser eleita para a pratica da política institucional é negar que essa mulher pratica relações políticas não institucionais a vida toda. Que ela só por ser mulher, já carrega com ela um olhar, um jeito, um modo minimamente diferente de fazer política. É negar o modo feminino de fazer política, Assim como falamos de feminismos e feminilidades, da pra dizer “modos femininos de fazer política”. Dizer que uma mulher, qualquer mulher, não deveria se candidatar ou ser eleita é reafirmar o que homens dizem a muito tempo: “lugar de mulher não é na política”. Lembrem se sempre esses espaços institucionais são majoritariamente deles e é de interesse deles continuar assim.

É interesse deles, dos homens políticos, que mulheres continuem executando a política feminina de cuidado sem ter controle sobre orçamentos públicos. Afinal, enquanto as mulheres trabalham na política do cuidado sem orçamento nenhum, eles saem de casa com suas roupas passadas e limpinhas, para discutir sobre quanto e como o orçamento público será gasto com saúde, educação, infraestrutura, segurança, pensarem e propor leis que se tornam regras de convivência na sociedade e etc. Para e pensa, tão fazem um bom trabalho nas relações da política institucional? Porque o que vejo e ouço, desde criança é que ao mesmo tempo em que se orgulham por estarem fazendo política, também dizem que a política é suja, é ruim, que o poder corrompe as pessoas, que é corrupta e que mulher não serve pra isso.

É também de interesse de outro homens que não são eleitos, continuar mantendo uma maioria de homens eleitos, são eles que garantem também que a pratica política feminina de cuidado continue sendo executada por mulheres de forma gratuita.

Mulheres só estão ao longo da história, amamentando esses homens desde que nascem, limpando suas budas moles, seus cocos e xixis fedorentos, suas freadas, lavando suas cuecas, muitas delas freadas da falta de auto cuidado deles, comprando o nº certo de seus sapatos e suas roupas… pra eles crescerem e dizerem “mulher não serve pra política, homens são melhores”, sem nem ficarem com a cara rosada de vergonha.

Estamos em 2022, mulheres são menos de 16% das cadeiras legislativas no país todo, vereadoras, deputadas, senadoras. Sem contar o executivo. Somos a maioria da população geral, somos a maioria das eleitoras e somos apenas 33% das candidaturas. Mulheres tem menor financiamento para fazerem campanhas, principalmente porque política feminina do cuidado não é remunerada. E as que também trabalham fora ainda ganham menos que homens. Já passou da hora de começarmos a eleger mulheres como se elege homem nesse país, pelo simples fato de serem homens.

Não tem que dizer “há mas ela é de esquerda”, “há mas ela é de direita”, porque não se diz isso sobre homens. Só se vota. Mulheres e homens votam em homens simplesmente por eles serem homens. Sem critério. “Há mas eu tenho critério”, há é? Então é só você, porque não está funcionando ter qualquer tipo de critério para eleger homem, afinal não da pra dizer que vivemos num país democrático de lindo e faz tempo que não está lindo.

O modo político masculino de fazer política é principalmente uma escolha política de não reconhecer a pratica política feminina. Até quando? Algumas pesquisas dizem que vai demorar 144 anos pra ter paridade nas cadeiras legislativas e paridade não significa em si reconhecer que mulheres são tão capazes de praticar política quanto eles, significa que é esse tempo que nós mulheres levaremos para reconhecer que fazemos política.

Da pra diminuir essa expectativa repensando nossa visão nessa eleição e nas próximas. Vote em mulher por ser mulher sim. Tem 33% de candidatas mulheres, tem mulheres de direita, de centro, de esquerda candidatas, você vai achar uma. “Há mas ela não tem chance”, se você começar a votar em mulheres, elas vão ter mais chances. Só não vote mais em homem por ser homem.

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