O mundo enfrenta globalmente uma questão complexa, mas que terá que ser solucionada rapidamente. Nos últimos anos houve um crescimento exponencial das mídias sociais por meio de aplicativos de conversação, postagens diversas, mensagens de texto e interesses mais restritos.
Temos WhatsApp, Instagram e Facebook, todos pertencentes à Meta. O Twitter agora está sob o comando de Elon Musk, o Telegram de Pavel Durov, além de Youtube, WeChat, TikTok, Douyin, Snapchat, Pinterest, Reddit, Linkedin, Discord, Twitch e muitos outros aplicativos. Todos somados representam cerca de 10 bilhões de usuários no mundo, lembrando que um usuário pode estar em vários aplicativos.
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Com toda essa dimensão, o conteúdo dessas plataformas conta com vários perfis de usuários, desde aqueles que seguem as regras do aplicativo, até os que ignoram qualquer tipo de regra. No Brasil, isso não é diferente.
A grande questão é como disciplinar o uso das plataformas, garantindo a todos o respeito ao princípio da liberdade de expressão e manifestação do pensamento, sem ferir outros princípios como proteção da vida, dignidade humana e honra.
Entendo, particularmente, que a princípio ninguém deve ser tolhido em sua liberdade de expressar-se, mas dentro de limites legais. E quando falamos em regulamentar as mídias sociais devemos buscar um difícil equilíbrio. De início, devemos ter criteriosos objetivos sobre aquilo que é vedado. Não se pode permitir que se propague aquilo que é crime, como pedofilia, racismo, tráfico de drogas, enfim, tudo que o Código Penal tipifica como conduta criminosa. Essa é a parte mais fácil, mas deve estar de forma objetiva na regulamentação para que não pairem dúvidas.
Então, por princípio, a liberdade de expressão é garantida, mas como não é absoluta, encontra limites objetivos nas condutas criminosas. Mas resta regulamentar uma zona mais cinzenta. Resta definir como lidar com mentiras, com fake news, com distorções de fatos e a tarefa não tem uma facilidade objetiva, mas, por outro lado, não pode ficar sujeita ao subjetivismo de juízes e promotores. Alguns parâmetros devem ser objetivos.
Como distinguir alguém que posta uma mentira, mas de boa fé, daquele que posta mentira com o objetivo de distorcer fatos e provocar tumulto? A resposta mais próxima de uma solução parece ser: a avaliação pelo conjunto da obra de quem postou. Em outras palavras, todos estão sujeitos a equívocos e uma interpretação errônea de um fato não deve ser penalizada. Mas quando o conjunto de posts do usuário aponta para práticas reiteradas de inverdades e distorções, deve-se ligar o sinal de alerta. E, como realizar o monitoramento?
Defendo que o monitoramento se dê no âmbito privado e não pelo Estado, ou seja, as plataformas devem se autorregulamentar e realizar um monitoramento efetivo, mantendo ainda canal de denúncias em pleno funcionamento. Assim, ao receber uma denúncia ou capturar postagem inverídica por monitoramento, deve a plataforma tomar as providências adequadas, como advertir, orientar e, no limite, sancionar o usuário transgressor com a suspensão ou cancelamento do perfil.
Caso as plataformas nada façam e permaneçam inertes, devem tornar-se corresponsáveis pelo conteúdo, em todos os âmbitos. Atualmente, as plataformas não têm nenhuma responsabilidade e podem inclusive ignorar conteúdos inapropriados, que muitas vezes geram maior engajamento e tráfego – o que gera maior lucro.
Nesse sentido, a União Europeia aprovou nova regulação que começa a valer ainda em 2023, o Digital Services Act, com o objetivo de proporcionar segurança nas mídias sociais e a proteção dos cidadãos online. A plataforma responderá por conteúdo impróprio e será fiscalizada por uma auditoria independente. Outra regulação aprovada pela comunidade europeia é a Digital Markets Act, que define boas práticas para que as plataformas possam explorar comercialmente o mercado europeu, inclusive com práticas antitrustes.
O Brasil deve analisar o modelo europeu e definir sua própria regulamentação o quanto antes. Obviamente que, em qualquer modelo e mesmo com uma nova regulamentação, caberá ao Estado a prestação jurisdicional, ou seja, aquele que se sentir ofendido recorrerá ao Judiciário, a quem caberá decidir. Precisamos sair do cenário atual.
Francisco Gomes Júnior – Advogado Especialista em Direito Digital. Presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP). Autor da obra “Justiça sem Limites”