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A FILOSOFIA VAI À ESCOLA! Uma homenagem a Mathew Lipman no dia do seu centenário – 24 de agosto de 2023

Em nossa história nacional mais recente, entre tantos delírios e desrespeitos, a educação em todo o país efetivou a jovem proposta de uma reforma do Ensino Médio. A visionária ideia de uma educação que privilegiasse a prematura decisão de se escolher, já na “madura adolescência”, o curso da própria carreira parece ter dado, grosseiramente falando e com todo o respeito à vida animal, com os “burros n’água”.

Ora, tão grande foi o estardalhaço que a ideia tão amplamente discutida e defendida por educadores em várias partes do país assistiu à infeliz e desorientada aplicação das diretrizes – aliás, houve diretrizes ou algum projeto que desse os contornos dessa mesma implementação?

A Filosofia tão idosa e tão experiente foi descartada ou, para ser mais honesto, preterida, já que corajosos estudantes ainda poderiam optar por uma vida dedicada ao raciocínio e à grande oportunidade de colocar as perguntas de maneira correta para questões tão fundamentais. Suas substitutas foram as mais variadas e, uma vez mais, sua utilidade foi contestada e pejorativamente relegada ao canto escuro de uma sala de aula. Afinal, para que estudar filosofia?

De mochila nas costas a filosofia deve, agora, provar o seu valor e ir à escola. Oportunamente nossa referência é, não só proposital, como saudosa, hoje, dia 24 de agosto, comemorando o centenário do nascimento de Mathew Lipman. Entre tantos trabalhos, sua obra A filosofia vai à escola salta-nos como um de seus textos mais importantes para pensarmos nossa tão amada filosofia no meio educacional aqui e agora.

Se depreciada está a imagem de uma senhora tão idosa e distinta, não sem mérito ela continua a influenciar tantas outras disciplinas. Lipman afirma nessa sua importante obra algo que devemos ruminar com paladar refinado: todas as disciplinas podem se apropriar da habilidade de raciocinar e exercitar o pensamento crítico, afinal os professores não desejam que apenas que se decorem conteúdos para suas provas, senão que sejam seus alunos capazes de articular seus raciocínios com as ferramentas certas; contudo, compete à filosofia essa tarefa principal, pois se trata de sua mais fundamental contribuição que a constitui enquanto disciplina.

Em outras palavras, ao ensinar o teorema de Pitágoras, um professor pode compartilhar, por exemplo, a importância da matemática para o filósofo e os pitagóricos, assim como as disciplinas de História ou Geografia poderão se servir sem medidas das conquistas de Alexandre Magno para tratar, além da bibliografia e noção de expansão territorial, da distinção que este acontecimento marca entre a filosofia helena e helenística, bem como a intenção do Imperador em propagar em todo o seu Império a cultura e filosofia gregas. Compete, porém, à Filosofia, segundo Lipman, a tarefa fundamental de oferecer a oportunidade aos alunos de adquirirem uma postura reflexiva e crítica.

A dedicação de Lipman em elaborar caminhos filosóficos para crianças nos fez herdar uma importante noção de que a filosofia não é apenas acadêmica e o rigor se fez lúdico para exercitar, desde a mais tenra idade, a capacidade mental de que somos dotados. Vista dessa maneira, a atuação mais básica da Filosofia enquanto disciplina deve ser no campo da ética e cidadania, promovendo uma re-naturalização da humanidade, formando pessoas ecológicas, isto é, interessadas em toda a trama da vida no mundo, vivida em sociedade.

Os conteúdos a serem discutidos brotam, portanto, do próprio momento histórico – notemos que objetos de análise não nos faltam hoje no país. Discussões dentro da ética, da lógica discursiva, do respeito às instituições políticas, da honestidade ou mesmo de meia dúzia de “coincidências” apuradas em Comissões da Câmara Legislativa são bons exemplos de questões dignas de alguns raciocínios em sala de aula. É a coletividade que nos impulsiona em nosso raciocínio.

Se tudo o que até aqui dissemos não evidência, ao menos de modo humilde, o valor da filosofia dentro das escolas, certamente nosso trabalho como professores ainda não alcançou o seu potencial reflexivo necessário. Do ponto de vista político continuamos assistindo a evidente assimetria educacional, onde a Filosofia é inserida em escolas da rede privada, enquanto estudantes de escolas públicas não são motivados ao exercício de sua capacidade de pensar – em vez disso, fazer brigadeiro na escola toma o lugar de projetos tão essenciais.

Como já se pode imaginar, a consequência, entre tantas, é a legitimação sempre crescente do nefasto discurso de meritocracia em carreiras bem-sucedidas, enquanto não se oferece (propositalmente?) o mesmo direito ao sem número de estudantes do ensino público de saborearem o banquete dessa mãe de muitos filhos.


Antonio Djalma Braga Junior. Filósofo e Historiador. Doutor em Filosofia. Professor Universitário, Consultor Associado na SabreEdtech e Diretor do Instituto de Tecnologia e Inovação Cidade Smart;

Leonardo Origuela. Mestrando em Filosofia pela PUC-PR. Pesquisador em Filosofia Contemporânea com ênfase na Filosofia de Nietzsche.

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