Lilo Passaes, nascide em 1999, é artista visual natural de São Bernardo do Campo (SP) e atualmente reside e trabalha em Curitiba (PR). Com graduação no Bacharelado em Artes Visuais da Universidade Federal do Paraná, trabalha com arte-educação no Setor Educativo do Museu Oscar Niemeyer. Produz desde 2018 e através do corte e costura, da viscosidade da tinta e do tensionamento dos espaços instalativos, percorre os campos de pintura, desenho, instalação e escultura.
Lilo acaba de se graduar pela UFPR, e como parte integrante do Trabalho de Conclusão de Curso, no mês de Novembro sediou uma exposição em sua residência, no apartamento onde mora com outras pessoas. Intitulada “Eu me faço até chegar ao caroço”, também contou com trabalhos de Yaraçá Silva, Vitória Gabarda, Rafa Gueba, Xyk e Vi Mascate.
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Na exposição alguns cômodos da casa estavam preenchidos com trabalhos seus e de amigos: a sala e o quarto foram reconfigurados para receber obras de Lilo, enquanto o corredor, lugar de passagem, mantinha ilustrações de artistas por Passaes convidados, pessoas que foram ativas no processo de formação, criando diálogo com sua trajetória artística. As escolhas expográficas conversavam indissociáveis com os ambientes domésticos. Essa paradoxal relação de um espaço privado, a casa de alguém, quando aberta à visitação, cria ruídos nas nossas interpretações convencionais dos lugares. Mas esses códigos são ainda mais intensificados quando o que se escolhe expor na casa-galeria são aberturas de intimidade, de processos subjetivos, interiores.
Os trabalhos se dividiam entre pinturas e objetos, meio escultóricos, meio instalativos. Nas pinturas, a tinta acrílica vermelha que o próprio artista produz, no contato com a água e o pincel, cria coágulos pigmentares que por vezes se concentram nas bordas do desenho, outras que se espalham pelo interior do papel fazendo borrões, derramando manchas, num esparramar do líquido que abre as próprias circulações no suporte. Nas mais recentes, o recorte do suporte bidimensional se dá em outros materiais, como o feltro em Inscrição aberta no dorso de uma pedra (2023) ou delibera fragmentos corporais como três Sem título (2023), gerando formatos irregulares, geometria nada retilínea ou simétrica. São apêndices, ligações. Nas mais antigas, Cria de contato (2021), a fôrma retangular do papel é mantida, como um documento vivo do próprio processo de manipulação da forma.
Fotografias dos trabalhos e Inscrição aberta no dorso de uma pedra (2023) e Sem Título (2023), respectivamente. Foto: Lilo Passaes.
Já nos trabalhos tridimensionais, como as instalações “O afrouxa-membros” (2023), alguns membros se misturam no colchão de uma cama de casal, enquanto outro sai do armário sorrateiro, como algo que vaza, extrapola as portas de um cômodo. Pela sala, Jantarzinho romântico à luz de velas (2023) é ensaiado com os mesmos estranhos componentes pendendo por uma mesa posta para dois, duas cadeiras, dois copos de vinho, pratos com tufos de cabelo, dentes em uma bandeja, talheres, velas acesas cerejando o bolo da ambiência. De frente para esse menu de casal, encostado na janela mais distante, um sofá coberto por um forro de algodão igualmente pintado convida a assistir esse date. A continuação dos trabalhos percorre a casa. Formas amorfas, uma grande língua ou intestino grosso perambulando pelos cômodos, alojando-se nos lugares, cheias de texturas nervais, carnudas profundidades. A estopa e o pigmento vermelho vinho, vermelho sangue, colocam à tona da epiderme essas nervuras internas, fissuras dos miolos de dentro da gente.
Fotografias das instalações “O afrouxa-membros” e Jantarzinho romântico à luz de velas. Foto: Lilo Passaes.
Pelas finas veias, o processo de costura se torna quase invisível, sendo um sistema orgânico retirado de um corpo, mas também corpo. Parece meio vivo, meio morto, mas lá está. Pode-se apontar pressuposições, mas não definições. Esse caroço central da dúvida, é também da incerteza e da estranheza. Um corpo notado, não decodificado, abjeto talvez mas não somente. Pistas, peças, partes, sendo “cada pedaço um pedaço de outro pedaço”.
A partir dessas ligações, mãos quase dadas, órgãos aproximados, embolados, acoplados, fazem-se organismo, rabos de lagartixa que pulam por aí mesmo depois de desmembrados. No aprofundamento dessas entranhas, cosendo o não visível, Lilo disseca alguns procedimentos corpóreos, representando coisas quase coisas, e por isso larga mão da analítica puramente fisiológica. Corpo aberto não para dissecar, mas para adentrar o organismo como um outro organismo, não alheio, mas célula componente de um todo: troncos de si, indefinitivas célula-corpo.