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Risorama: Risos e Absurdos no Festival de Curitiba

Diogo Portugal - Idealizador do Risorama. Foto: Susan Sena

Esse texto começou no dia 28 de março, data de estreia do Risorama no Festival de Teatro de Curitiba. A atração chega à sua vigésima edição entre risos e aburdos latentes. E sinceramente, se foi sempre nesse mood que vi, agradeço por não ter ido a nenhuma das edições anteriores.

Eu sou uma entusiasta do Festival de Curitiba. Sei que comecei mal esta crítica, mas talvez seja até por gostar tanto do evento que me senti tão decepcionada. Até então eu só assisti às peças da Fringe e às não tão populares, por conta da grana mesmo.

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Este ano, estava fazendo a cobertura do Festival pelo Diário de Curitiba. Com isso pude ver várias peças da mostra oficial, ir às coletivas de imprensa e conhecer muita gente interessante.

A Experiência Inicial no Risorama

E é por essa razão que sinto a obrigação de compartilhar a verdade sobre a experiência da abertura do Risorama no Festival de Curitiba. Primeiro, para quem depende de ônibus, ir até a Viasoft Experience é uma jornada. Não sabe onde fica? Junto ao Teatro Positivo. Longe. Talvez o conceito de descentralizar a cultura não tenha ficado muito bem entendido aqui.

Ao longo de todo o festival, recebi diversas doações de ingressos para apresentações tanto nesse espaço quanto no Teatro Positivo, contudo, as pessoas não os aceitavam devido à falta de meio de transporte para chegar até os locais

No evento de lançamento do festival, ocorrido na segunda-feira, 25 de março, no mesmo espaço, dois amigos precisaram partir antes do término da festa devido ao horário do último bonde

Quem mora na região metropolitana sabe muito bem o que é ter de calcular o tempo de baldeações para chegar em casa. Ou ficar na rua até de manhã mesmo. Ao menos é mais divertido e menos perigoso.

No release enviado aos jornalistas sobre o espetáculo, há a seguinte descrição:

“Seu formato de grande comedy club, com serviço de bar e mesas compartilhadas, é sucesso com o público e deixa o clima ainda mais animado.”

Primeiramente, eu aprecio a atmosfera boêmia nas calçadas do Largo da Ordem. Em outras palavras, não sou exigente e estou habituada à agitação, mas chegar a um local com ingresso em mãos e não encontrar uma cadeira disponível para sentar, pagar R$13 por uma lata de uma cerveja desconhecida, enfrentar um som de baixa qualidade e ainda ser submetida ao pior do humor no palco é verdadeiramente desanimador.

Atrações e Desilusões: Uma Visão Detalhada das Performances

Rafael Cortez, o apresentador da noite, já era meio sem sal no CQC; no stand-up, é a mesma água de chuchu. Estavam previstas as seguintes apresentações para aquela noite: Marlei Cevada, Ben Ludmer, Niny Magalhães, Gênios Siameses, Diogo Portugal e Léo Lins.

Marlei Cevada trouxe para o palco sua personagem Nina, a mesma que a deixou conhecida na Praça é Nossa. Deu para dar umas risadas, mas aquilo de piada roteirizada e clichês. Ben Ludmer alegrou o palco com suas mágicas misturadas à comédia. Curti. Não conhecia o trabalho dele ainda, só vi mesmo sua apresentação ali naquele dia. Achei que teve muitas piadas de cunho autodepreciativo, acreditei que isso foi um recurso estratégico para arrancar risos da plateia curitibana. Rafael Cortez já tinha até comentado em palco a falta de animação do público.

Depois dele veio a Niny Magalhães, cujos vídeos já tinham aparecido no feed das minhas redes sociais. Fiquei curiosa. E continuo, pois nessa parte o som que já não estava bom conseguiu piorar e pouco se entendia o que a comediante falava. Aquilo que ouvi, gostei. Aliás, problemas com som foram uma constante em todo o festival.

Mas foi na apresentação seguinte que tudo desandou. Abner Dantas e Cássius Ogro, os Gênios Siameses, apresentaram o pior do humor. Foi um show de misoginia, homofobia, transfobia e capacitismo. Em determinado momento da apresentação, eu já não conseguia mais segurar o embrulho no estômago e me retirei.

Na área externa, encontrei outras mulheres que também não suportaram o conteúdo. Estávamos conversando quando chegaram duas amigas que eu sabia que estariam na apresentação, mas que não havia ainda encontrado. Nenhuma de nós se dispôs a continuar ouvindo aqueles absurdos.

Eu fico muito receosa de comentar o conteúdo proferido para que vocês entendam de qual nível de “humor” estou falando e acabar por reforçar ainda mais todo o lixo solto no ar. Porque, pasmem vocês, o público ria! E é muito decepcionante ver que as pessoas ainda acham graça nesse tipo de conteúdo que tanto reforça violências em nosso cotidiano

Dias antes, a peça “Manifesto Transpofágico”, com a atriz Renata Carvalho, havia me proporcionado uma experiência cultural enriquecedora. Em contraste, o Risorama parecia um resquício de uma era menos consciente, incapaz de se alinhar com os valores do festival.

Depois deles, subiu ao palco Diogo Portugal, e foi então que desisti de vez. Olhei o horário do ônibus Universidade Positivo, que passa dentro do Campus e chegaria em dez minutos. Abandonei o espetáculo, remoendo e mal digerindo o conteúdo apresentado. Como aconteceu em todos os dias do Festival de Curitiba, fomos para o Nina Bar saborear um vinho e tecer críticas sobre as peças e afins.

Reflexões Pós-Espetáculo: Impacto Cultural e Críticas ao Risorama

Além do companheiro que foi comigo ao Risorama, encontrei mais uma amiga e não pude deixar de conversar com ela sobre o absurdo que foi aquela apresentação. Lá pela metade da garrafa de vinho, chegou uma van de onde desceram alguns trabalhadores do Festival com a camiseta do evento. Já era tarde, perguntei incrédula aos meus companheiros: “Só acabou agora?”

Uma segunda van estacionou bem na direção da mesa em que estávamos na calçada, e pude ver dois dos humoristas que se apresentaram. Levantei-me e fui cumprimentá-los; eram os dois de quem eu havia gostado. Comentei que eles foram o conforto da noite. Uma das pessoas da produção ouviu meu comentário e se aproximou. Em roda, todos começamos a falar do quanto tinha sido desconfortável estar presente ali. Outras pessoas foram se juntando à conversa, ao vinho e ao tabaco.

Um dos produtores, visivelmente envergonhado e cansado, disse uma frase que ainda ressoa em meus pensamentos:

“Depois de tantos anos trabalhando em produção e vendo coisas ruins acontecendo, hoje foi a primeira vez que questionei se meus boletos realmente valem passar por isso.”

Ao saber que abandonei a apresentação, uma segunda pessoa da produção disse:

“Realmente eles foram péssimos, nós pedidos que não fossem contratados, várias pessoas pediram, mas no final quem decide é o Diogo mesmo”.

Se referindo ao comediante Diogo Portugal, idealizador do Risorama. E sinceramente, como alguém acha graça nesse cara? Enfim, depois disso, essa pessoa me disse que a apresentação ficou melhor depois e que Léo Lins tinha sido muito sagaz.

Eu, ouvindo tudo, só pude observar as pessoas negras se retirando da roda após essa declaração. Léo Lins tem histórico de piadas racistas e preconceituosas. É réu em vários processos e já foi condenado. Depois disso, já não consegui mais me concentrar na conversa, voltei a sentar e bebericar meu vinho. Abandonei a conversa assim como abandonei a apresentação e como estou abandonando este texto.

Me faz mal criticar dessa maneira uma atração que está inserida em um festival tão grandioso quanto o Festival de Curitiba. Foi meu primeiro ano fazendo a cobertura do evento, e foi uma experiência magnífica. Outros colegas foram em outros dias do Risorama, e elogios mesmo só ouvi em referência à apresentação de Bruna Louise, queridinha do stand-up nacional. Quem não a conhece, veja seu especial na Netflix.

Reconheço a importância do Festival de Curitiba, contudo, lamento que o Risorama permaneça desatualizado e desconectado dos valores culturais mais amplos que o festival representa.  O Risorama, em sua forma atual, não reflete o espírito do Festival de Curitiba. Enquanto outras partes do festival revelam a riqueza cultural do Brasil, o Risorama permanece anacrônico, revelando aspectos de nossa sociedade que preferiríamos superar.

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