A nova biografia escrita por Lira Neto revela um Oswald de Andrade contraditório, ao mesmo tempo explosivo e lírico. Após narrar a vida de figuras polêmicas como Getúlio Vargas e Padre Cícero, o autor agora se dedica a esmiuçar a trajetória de um dos autores mais controversos do modernismo brasileiro. Mais do que um ativista cultural e figura central da Semana de Arte Moderna de 1922, Oswald é apresentado como um pensador ousado, que usava sarcasmo e agressividade verbal como formas de questionar o conformismo intelectual.
Na infância, Oswald foi um garoto solitário e hostilizado, que encontrou no escárnio uma maneira de se impor entre os colegas. A timidez deu lugar a uma persona irreverente e desafiadora, usando o humor mordaz para ocultar seu retraimento juvenil. Lira Neto descreve de forma meticulosa essa transformação, embasando-se em cartas, diários e escritos de Oswald, e revela seu desenvolvimento cultural anárquico, sua entrada no jornalismo e a oposição ao conservadorismo literário.
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Com estilo cinematográfico e baseado em extensa pesquisa documental, Lira Neto transporta o leitor para uma São Paulo em ebulição, onde as mudanças rápidas na paisagem urbana influenciavam a vida e a obra de Oswald. As amizades e os amores tempestuosos, a construção de uma mitologia pessoal e o complexo jogo entre realidade e encenação são explorados com atenção por Lira, que destaca as nuances entre o real e o lendário no personagem.
Ao abordar o “Manifesto Antropófago”, Lira Neto sugere que a obra de Oswald antecipou debates contemporâneos, como a crítica ao patriarcado e o pensamento decolonial. O conceito de Antropofagia, com sua ideia de devorar e transformar o outro, é reinterpretado por Lira como uma expressão de criatividade radical, contraposta à passividade do “bom selvagem” de Rousseau e livre de dogmas religiosos, sociais ou políticos.
Oswald era um homem de contradições públicas e sem receio de mudar de opinião — anarquista e devoto, burguês e comunista, apaixonado e infiel. Sua verdadeira coerência estava em sua constante presença no debate público, armado de uma verve irresistível. “Sua existência era tão importante quanto sua obra”, dizia o crítico literário Antônio Cândido, que testemunhou o impacto do carismático Oswald sobre uma nova geração de intelectuais, como Paulo Emílio Sales Gomes e Décio de Almeida Prado, apelidados por ele de chato boys.
Lira Neto também retrata a decadência financeira de Oswald, que, embora herdeiro de uma fortuna, terminou a vida recorrendo a agiotas e penhores para sustentar a família. Milionário na juventude e arruinado na velhice, ele viveu intensamente, mas não chegou a ver seu legado plenamente reconhecido em vida. Após sua morte, seu pensamento revolucionário inspirou movimentos como a Poesia Concreta, o Teatro Oficina e a Tropicália, reafirmando-o como um dos pilares da cultura brasileira.
Sobre o autor:
LIRA NETO, nascido em Fortaleza em 1963, é jornalista e escritor premiado, com quatro prêmios Jabuti. Mestre em Comunicação e Semiótica e doutorando em Cultura e Sociedade pela Universidade de Coimbra, publicou diversas obras pela Companhia das Letras, incluindo Padre Cícero (2009), a trilogia Getúlio (2012-2014) e Oswald de Andrade (2024).