Diário de Curitiba

Lula, o tal do “mercado”, e o meu sobrinho bolsonarista

Lula discursa no COP27 – Foto: Ricardo Stuckert

Uma das coisas mais inusitadas que me aconteceu nos últimos dias, foi um sobrinho bolsonarista que me passou uma mensagem, me perguntando por que eu não escrevia algo criticando o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, que foi eleito com mais de 60 milhões de votos, pelas suas falas recentes sobre o teto de gastos, que deixou a Faria Lima em polvorosa e “derrubou o mercado”.

Então resolvi escrever isso.

Clique aqui agora e receba todas as principais notícias do Diário de Curitiba no seu WhatsApp!

 

 

 

Dane-se o mercado, meu sobrinho!

Dane-se mesmo!

O tio aqui não é um especialista de alto gabarito no assunto, mas posso te explicar o básico. O que acostumamos chamar de mercado é um bando de pessoas, uns com carteiras maiores, outros com carteiras menores, que tem um único trabalho: descobrir onde investir dinheiro para fazer mais dinheiro. Caso achem que é no Brasil, aí compram ‘papeis’ brasileiros. Caso achem que o Brasil é um risco, aí vão para algum outro país. O mercado é só um sintoma de um grupo de pessoas com uma experiência determinada em ganhar dinheiro. Uns melhores nisso e outros piores.

Eu tenho todo direito de dar uma “banana ao mercado”, meu sobrinho. E as pessoas têm todo o direito do mundo de não gostar do mercado. Têm também o direito de considerar que o mercado lê política mal. Eu, pessoalmente, acho que às vezes eles interpretam bastante mal e tomam decisões erradas por conta disso. Mas o ponto principal aqui é esse: dane-se o mercado. O problema não tem nada a ver com o mercado!

Existem duas maneiras de olhar para o problema econômico, meu caro. Um grupo acredita que uma sociedade se desenvolve por conta própria, ela cria as facilidades e as dificuldades que vai encontrar. O outro grupo vê países em conflito, aos que se desenvolveram interessa manter os outros em baixo crescimento.  Essas visões de mundo levam a conclusões muito distintas sobre como um governo deve conduzir sua política econômica.

Quem aposta que um país se desenvolve por conta própria, de acordo com as escolhas que faz, parte de três pressupostos:

1 – O governo tem de manter uma economia estável, com inflação muito controlada, daquele tipo que nunca causa surpresa.

2 – A maior parte da população deve ser muito bem educada, acima da média.

3 – E os mercados devem ser abertos ao mundo.

 Esse conjunto, com o tempo, leva ao crescimento.

Agora, o grupo que acredita que o desenvolvimento de alguns países pressupõe a diminuição de oportunidades para outros, considera que para crescer é preciso um estado mais ativo. Que se o estado não tomar decisões sobre que indústrias vão receber incentivos, que tecnologias vai se apostar, aí não adianta, nada vai acontecer.

É evidente que é possível existir pontos de acordo entre os dois grupos.  A educação é um deles. Todo mundo é a favor de educação. Um só considera a educação mais chave do que o outro.

Mas os pontos de atrito são também muito importantes, meu sobrinho querido. O primeiro grupo, o que acha que uma sociedade depende de uma economia estável e um mercado aberto, é dos liberais. Ou segundo grupo, que considera que o estado precisa definir ativamente os caminhos da economia, é dos desenvolvimentistas. Os desenvolvimentistas às vezes não falam isso às claras, mas para eles, às vezes a inflação não é o problema. Para liberais é gravíssimo.

Aí vale a gente falar um pouco de inflação. De acordo com os desenvolvimentistas, o governo deve gastar um dinheiro que NÃO TEM para orientar a economia na direção que considera desejável. E isso, criar dinheiro, gera inflação. Porque a estabilidade tem uma lógica. O dinheiro circulando na sociedade tem que ser mais ou menos equivalente ao que a sociedade produz. Quando tem mais dinheiro circulando do que produção realizada nasce inflação.

É por isso que os Bancos Centrais aumentam as taxas básicas de juros da economia. É para as pessoas acharem que é mais negócio guardar dinheiro, do que gastar. É para tirar dinheiro de circulação, e diminuir a inflação.

Isso aqui é um jeito simplificado de explicar como são as duas visões, meu caro. Existem muitas nuances, e mesmo dentro de cada escola de pensamento tem debates importantes.

Mas vamos falar agora do discurso de Lula, aquele que “derrubou o mercado”. O que ele estava dizendo ali. Que quem fala em cortar gastos não quer dar dinheiro para fome?

Não é nada disso. É importante acabar com a fome, como é fundamental pensar também no futuro. Governar é estabelecer prioridades. Se a fome é uma prioridade, e é mesmo, claro que é, o que o estado não vai fazer em troca.

Esse é o ponto de vista Liberal. Esse é o debate! No fim das contas, como que a gente faz para que o estado não precise imprimir dinheiro. Porque se fizer isso vai aumentar a inflação. E o problema de ter inflação é que isso obriga Banco Central a aumentar juros. E se o Banco Central aumenta os juros sobra menos dinheiro para investir e crescer.

Olha meu sobrinho, não somos nós dois que vamos decidir esse debate. Esse é o debate entre desenvolvimentistas e liberais, e não tem como olhar para experiência do governo Dilma, que foi tocado pelos mesmos desenvolvimentistas que estão na equipe de transição do Lula e não dizer: O CRESCIMENTO NO GOVERNO DILMA CAIU. A INFLAÇÃO SUBIU.

O momento para ter esse debate não é daqui a um mês, não é daqui a dois meses. É agora! E de novo: dane-se! O mercado sempre faz dinheiro. Eles sempre descobrem como.  Às vezes o mercado põe mais dinheiro no Brasil, às vezes põe menos.

A gente tem de se preocupar mesmo é com o Brasil do futuro. Se tudo der certo, uma das pontas fundamentais para os liberais vai ter toda a atenção de gente muito capaz, nesse governo Lula: a EDUCAÇÃO DE BASE. A gente precisa dar um salto nessa área.

Agora, ter um estado organizado, previsível, estável, com moeda forte e inflação baixa… Isso é bom para o país. Lula é contra isso? Não né! Tem um jogo acontecendo. No momento ele precisa de uma Emenda Constitucional que abra o espaço para o governo gastar 175 bilhões de reais a mais com a sociedade. Isso cobriria um aumento do salário mínimo e do bolsa família. A questão é a seguinte: ele pede essa licença de gasto para 2023, ou pede para os quatro anos de mandato? É isso que o Lula tá testando para ver se emplaca. Se ele só pede ao congresso para provar para o ano que vem, ele entrar no governo com a missão de construir um equilíbrio fiscal para os anos seguintes. Agora se por acaso ele ganhar essa licença para gastar quatro anos, sem a necessidade de fazer ajustes, isso gera uma força inflacionária.

Esse é um debate de visões de mundo, e Lula não foi eleito apenas por desenvolvimentistas. Na verdade, na hora da briga quem trabalhou duro no segundo turno foi Simone Tebet, foram os liberais do governo Fernado Henrique, não foram os “ciristas”. Não foi Ciro Gomes.

Construir um governo de União nacional é difícil mesmo. E esse debate, sobre como conduzir a economia, é o mais difícil deles. O que nós queremos coletivamente a mesma coisa: um país que daqui a quatro anos tenha tido um governo tão bem sucedido que possa cumprir três pontos:

1 – Não vai ter um brasileiro com fome.

2 – Um país que esteja bem o suficiente para que a extrema direita não encontre mais espaços para seduzir desavisados.

3 – Por fim, que tenhamos construído algo que nos permita alinhar o Brasil na direção do crescimento.

E nada vai acontecer se a gente não fizer os debates possíveis. Se a gente não fizer os debates difíceis, meu sobrinho querido.

Sair da versão mobile