Ícone do site Diário de Curitiba

Dia do Trabalhador: o Brasil que trabalha, mas não descansa

Voltei da terapia com meu filho e entrei no ônibus com aquela cabeça cheia das rotinas de quem cuida. Mas o que me tirou do automático foi a voz de uma mulher. Ela vendia paçoca. R$ 1 cada.

“Se puderem comprar hoje, eu agradeço. Amanhã é feriado, vai ter pouca gente no ônibus, e é com isso aqui que eu compro comida.” Disse isso com uma dignidade tímida, mas firme, como quem aprendeu a ser forte sem opção. Falou da mãe, que não tem as duas pernas e depende dela. Dos filhos. Do aluguel. Da ausência de qualquer rede de proteção que não seja a própria coragem.

Naquele instante, lembrei que o feriado era o Dia do Trabalhador. Irônico, né?

Porque o Brasil celebra o 1º de Maio com shows, discursos e postagens coloridas. Mas poucos param para perguntar: como está o trabalhador brasileiro em 2025?

Segundo o IBGE, no fim de 2023, cerca de 38 milhões de pessoas estavam em situação de informalidade — sem carteira assinada, sem previdência, sem estabilidade. Isso representa mais de 40% da força de trabalho. Além disso, a pejotização cresceu: muitos trabalhadores foram “convidados” a se tornarem pessoa jurídica, abrirem CNPJ, emitirem nota, pagarem seu próprio DAS — tudo isso sem direito a férias, décimo terceiro, FGTS ou licença médica.

É o novo nome da precarização: PJ de fachada. Contratado como empresa, tratado como empregado. Um limbo jurídico que finge autonomia e disfarça a ausência de direitos.

Essa onda começou a se fortalecer com a Reforma Trabalhista de 2017, aprovada no governo Michel Temer, que flexibilizou contratos, reduziu a força de sindicatos e prometeu gerar empregos — mas entregou empregos mais frágeis, mais instáveis e menos protegidos. Em vez de modernizar, terceirizou. Em vez de qualificar, desonerou.

Lá fora, o movimento é outro. Em países como Espanha e Bélgica, há projetos sérios para reduzir a jornada de trabalho para quatro dias por semana. A Alemanha discute equilíbrio entre vida e trabalho. A França protesta contra o aumento da idade da aposentadoria. E o Brasil? Aqui, quando a deputada Érika Hilton (PSOL-SP) propôs o fim da escala 6 por 1 (seis dias trabalhados para um de descanso), virou escândalo nacional. Empresários gritaram. Influenciadores ridicularizaram. Como ousam sugerir que trabalhador descanse um pouco mais?

Talvez a pergunta não seja “como ousam?”, mas “por que isso incomoda tanto?”.

A resposta pode estar num passado mal resolvido. Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, apontava para a permanência de uma cultura senhorial que ainda molda nossa relação com o trabalho. O trabalhador, muitas vezes, ainda é visto como custo, não como sujeito. Como obstáculo, não como força produtiva. É um eco da escravidão — onde o esforço do outro era apropriado sem culpa, sem vínculo e sem direitos.

A mulher da paçoca não tem carteira assinada. Nem CNPJ. Nem vale-transporte. Nem plano de saúde. Ela tem o que cabe na sacola e a urgência de manter a casa viva. Se ela ficar doente, não tem auxílio. Se chover, o ônibus atrasa e o dia é perdido. Se um fiscal subir, ela é retirada. Mas amanhã, nas postagens institucionais, ela será “homenageada” como trabalhadora.

É bonito falar de meritocracia quando se tem segurança. Difícil é viver do próprio braço quando o chão é escorregadio.

Neste Dia do Trabalhador, a pergunta não é só quem trabalha — é quem tem o direito de descansar. Quem pode planejar férias. Quem pode dizer não. Quem tem tempo para os filhos. Quem consegue pagar o mercado. E quem precisa vender paçoca num ônibus vazio na véspera do feriado.

É por isso que o 1º de Maio não pode ser só um feriado com trio elétrico e fotos de crachá. Ele precisa ser um espelho incômodo. Um lembrete de que, no Brasil, trabalhar ainda é um ato de resistência. E descansar, um privilégio.

Clique aqui agora e receba todas as principais notícias do Diário de Curitiba no seu WhatsApp!

 

 

 

Sair da versão mobile