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A energia que move os lobbies

Tenho pensado muito sobre como as coisas se movimentam em Brasília. Nem sempre por ideias, quase nunca por princípios. Mas por engrenagens invisíveis que, de tão antigas, já fazem parte do mobiliário político. Um puxador aqui, uma pressão ali, um “acordo entre cavalheiros” acolá. E assim se move o motor da República: a óleo — de interesse.

Na última terça-feira (17), o Congresso decidiu que a conta vai para o povo. De novo. E não é força de expressão.

Derrubaram vetos do presidente Lula sobre um projeto que, na teoria, deveria impulsionar a energia eólica offshore. Na prática, virou um festival de “jabutis” pendurados no lombo da conta de luz dos brasileiros. A estimativa? R$ 197 bilhões até 2050. Quase oito bilhões por ano. Um aumento potencial de até 3.000% para pagar o vento que não sopra nos nossos bolsos, mas enche os velames de cartórios e corporações.

Tudo isso com um verniz técnico que impressiona quem não tem tempo de ler as entrelinhas. Fala-se em “segurança energética”, em “incentivo à transição”, mas o que se tem é compulsoriedade de contratos, prorrogações generosas, e o tipo de lobby que sabe exatamente onde apertar.

E o povo? O povo vai pagar.

E quando eu digo povo, não estou falando do conceito abstrato que decora discursos de palanque. Estou falando do caixa da padaria que liga o ventilador com medo. Do idoso que economiza banho quente para não estourar o orçamento. Da mulher que cria os filhos sozinha e precisa escolher se paga a luz da casa ou compra a comida do mês.

É por eles que essa conta é imoral.

Mas talvez o mais perverso disso tudo não seja o aumento em si — é o cinismo com que ele é maquiado de progresso. Quem se opõe, dizem, é contra o desenvolvimento. É retrógrado. É estatizante. É inimigo do futuro.

Curioso como o futuro, nesse país, costuma sempre chegar primeiro aos bolsos de alguns poucos. E atrasar para o resto.

O mais irônico? Os mesmos que hoje gritam por “corte de gastos” são os que empurram, com delicadeza de serra elétrica, esses penduricalhos no projeto. Querem menos impostos para os ricos, menos Estado para os pobres, menos responsabilidade para si — e mais lucros garantidos no compasso do lobby.

E depois dizem que o governo está desarticulado. Pode até estar. Mas o Congresso, esse sim, está perfeitamente articulado — com os interesses certos. Os de sempre.

Enquanto isso, nos noticiários, tudo vira estatística. R$ 197 bilhões. Três por cento de aumento. Vinte anos de prorrogação. Mas ninguém escreve que isso se traduz em apagões de orçamento doméstico. Em famílias que vão ter que apagar a luz mais cedo — no interruptor e na esperança. Em pequenos negócios que vão precisar escolher entre manter o freezer ligado ou manter o salário do mês.

A conta chega. Sempre chega.

E cada jabuti aprovado é uma banana atirada na dignidade do cidadão. Um jeitinho parlamentar de dizer: “A gente está no poder. E vocês, na tomada.”

Mas talvez — talvez — ainda nos reste energia. Para iluminar esses absurdos. Para falar sobre eles sem gritar, mas com clareza. Para lembrar que política não é só o que fazem nos gabinetes. É o que permitimos, em silêncio, que façam conosco.

E se o Brasil vai ser mesmo o país do futuro, que ao menos seja um futuro em que a luz não custe a nossa lucidez.

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