No Dia dos Professores, meu amigo Pedro Ubaldo, o Juninho — lá de Ribeirão Branco — publicou uma caixinha no Instagram:
“Qual professor marcou a sua vida?”
A pergunta me acompanhou o dia inteiro. Pensei em tantos nomes. Os da faculdade, claro — Rodolfo, meu orientador; Jorge, de Ética; Rui, de Constitucional; Viviane e Hugo, de Fotografia; Paulo Camargo, com suas aulas fascinantes. Todos me ajudaram a formar o jornalista que sou hoje.
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Mas a lembrança mais forte não veio da universidade. Veio da escola pública da infância, lá em Ribeirão Branco, onde cresci depois de sair de Osasco. Lembrei da professora Eli, minha primeira professora, que me achava “todo arrumadinho” e dizia que eu gostava de cantar musiquinhas. Ela se lembrava de mim — e isso, por si só, já é um gesto de amor num país que esquece seus alunos tão rápido quanto os governa.
Mas a história que quero contar é outra.
Foi no tempo da Escola Estadual Luiz José Dias, onde estudei da 5ª série até o fim do ensino médio, que conheci alguns dos professores que mais me marcaram.
Antes disso, havia estudado parte da 3ª e toda a 4ª série no Grupão — a escola do sapo gigante na fachada, curiosidade e símbolo de Ribeirão Branco, onde o tempo parecia correr mais devagar.
Na Luiz José Dias, tive aulas com professores inesquecíveis: Sônia, de Educação Física; o lendário professor Saguí, de História, que chamava todos pelo sobrenome e me corrigia com voz de trovão; e Alexandrina Maria José de Macedo, de Matemática — a professora durona que todo mundo temia.
Ela era daquelas que chegava na sala e mandava: — Quero você sentado aqui, na frente!
Eu me encolhia, achando que era perseguição. Às vezes estava conversando demais, talvez atrapalhando. Ela, firme, me puxava para perto.
Demorei anos para entender que não era bronca — era cuidado.
Meu pai havia morrido em 1999. O dinheiro da família foi embora com remédios e hospital. Foi a própria Alexandrina quem pagou o velório e o sepultamento dele. Ela não contou a ninguém. Só depois, com o tempo, entendi a dimensão do gesto.
Meses depois, lembro de tê-la ouvido conversar com minha mãe: — Não deixa o Ricardo se perder. Ele é muito inteligente.
Aquela frase ficou ecoando em mim. Eu estava num tempo de rebeldia, meio perdido entre a dor e a adolescência, tentando entender o mundo sem o pai. E ela, com sua rigidez e semblante sério, me puxava de volta — para a sala, para o caderno, para a vida.
Hoje entendo: há professores que não ensinam apenas lições, mas sustentam destinos. Que enxergam o que nem a gente vê. Que, com a autoridade de quem exige silêncio, dizem “fica” quando o mundo inteiro empurra para fora.
Na época, eu achava que Alexandrina era apenas uma professora brava. Hoje sei que ela era um tipo raro de anjo — o tipo que não usa auréola, mas um diário de classe.
Alexandrina Maria José de Macedo nasceu em 1961. Foi professora e ativista. Dedicou a vida à educação e à justiça social, lutando contra o abandono escolar, a desnutrição e o trabalho infantil. Militou pelos direitos dos professores e dos camponeses.
Faleceu em 2009, deixando uma ausência que ainda pesa na memória da cidade — e uma presença que continua nos gestos de quem aprendeu com ela a não desistir de ninguém.
Penso nisso toda vez que alguém diz que “professor ganha pouco”.
Porque há salários que o dinheiro não paga. Há salários que só o tempo reconhece — quando o aluno cresce, amadurece e, décadas depois, percebe que aquele grito na sala de aula era, na verdade, um pedido de permanência.
Se hoje eu sou jornalista, se ainda acredito no poder da palavra, é também por causa de quem me ensinou a ficar quieto na frente da sala e ouvir.
E talvez por isso, quando penso em “qual professor marcou a minha vida”, a resposta não está num diploma, mas num gesto silencioso: o de uma professora que pagou o velório do meu pai — e me ensinou, sem dizer uma palavra, o que é amor em sua forma mais prática e humana.