A locomotiva partiu da Câmara com destino conhecido: a suspensão da ação penal no STF contra o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), réu por sua atuação no esquema golpista pós-eleições de 2022. Mas ele não foi sozinho.
Vieram acoplados, como vagões discretos, os nomes de Jair Bolsonaro, Braga Netto, Augusto Heleno e outros 30 investigados. E com um clique no painel de controle — ou melhor, com 315 votos favoráveis no Plenário — o Parlamento decidiu: a viagem da justiça seria interrompida. Por enquanto.
• Clique aqui agora e receba todas as principais notícias do Diário de Curitiba no seu WhatsApp!
Disseram que não é anistia, é só uma “sustação”. Uma pausa, um freio de emergência. Mas o que parece é que a Câmara não sustou um processo. Sustou o freio da democracia.
O pedido, feito pelo próprio partido de Ramagem, o PL, teve relatório favorável na CCJ, argumento constitucional polido e voto de Nikolas Ferreira — aquele mesmo que, dias antes, se apresentava em vídeo com fundo preto e tom solene, indignado com fraudes no INSS. O mesmo que chorava por justiça, agora ajuda a travar o trilho da responsabilização.
Hipocrisia não mais como falha. Mas como combustível.
Porque não foi só Ramagem o beneficiado. O texto aprovado não deixou claro quem exatamente estava no comboio. E isso abriu margem para o entendimento de que o vagão da sustação carrega muito mais gente do que deveria. Bolsonaro, inclusive.
A tentativa é clara: blindar os seus antes que a locomotiva da justiça ganhe velocidade.
Alguns chamaram de “trenzinho da anistia”. Outros de “golpe legislativo”. Houve quem gritasse que a vergonha pegou carona. E talvez todos estejam certos. Porque o que se viu foi a institucionalização da blindagem como projeto político. Uma espécie de rito com roteiro: a denúncia vem, a votação atropela, e a impunidade vira passageira VIP.
Giorgio Agamben, filósofo italiano, fala do “estado de exceção” como o lugar onde as leis se dobram para manter o poder em pé. Pois o Brasil está virando isso: um país onde a Constituição é aplicada por conveniência e a coerência é dispensável — desde que se viaje no trem certo.
O mais irônico é ver tudo isso ser comandado por quem grita por justiça nas redes. Gente que se apresenta como defensora do povo, mas protege quem tentou rasgar a Constituição. Que chora por aposentados, mas vota contra cesta básica. Que se diz patriota, mas teme o devido processo legal.
Enquanto isso, fora do Parlamento, o Brasil real segue parado na plataforma: mães esperando vaga na creche, idosos esperando perícia, trabalhadores esperando a vez. A urgência por justiça foi adiada. Mas a fila da vida continua.
E o trem da impunidade segue seu curso — blindado, lotado e sem paradas previstas.