Nos tempos do Brasil colônia, a elite local se ajoelhava para o rei de Portugal com a mesma devoção com que mandava açoitar seus próprios. Séculos depois, o cenário mudou, mas o gesto permanece — agora com discurso importado, passaporte carimbado e um lobby made in Washington.
Na última quarta-feira (21), enquanto o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica, confirmava em depoimento ao STF os planos golpistas que orbitavam o Planalto, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro — que parece viver num spin-off tropical de House of Cards, só que mais tosco — celebrava nas redes uma ameaça de Marco Rubio. Sim, ele mesmo: trumpista, conservador linha-dura e, agora, Secretário de Estado dos Estados Unidos.
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Rubio sugeriu aplicar ao ministro Alexandre de Moraes a chamada Lei Magnitsky, legislação que permite aos EUA imporem sanções unilaterais a autoridades estrangeiras acusadas de corrupção ou violações de direitos humanos. A lei já foi usada contra ditadores, torturadores, censores sistemáticos. Agora, querem usá-la contra um juiz da Suprema Corte brasileira porque investigou uma tentativa de golpe institucional.
É como se a realidade brasileira tivesse engatado ré — e pisado fundo.
Eduardo Bolsonaro, hoje nos EUA por vontade própria, atua publicamente para que um poder da República — o Judiciário — seja deslegitimado por um governo estrangeiro. Pede intervenção externa. Aplaude a possibilidade de um juiz brasileiro ser punido por um secretário de outro país. E faz isso tudo em nome de uma suposta liberdade de expressão que, na prática, serve para blindar golpistas, espalhar mentiras e sabotar a democracia.
E tudo isso com a estética já conhecida: luz baixa, discurso pausado, vocabulário dramático. É o “american way of indignação” — um misto de culto, coach e campanha eleitoral permanente.
Mas a pergunta inevitável é: onde está o tal patriotismo da extrema-direita brasileira?
Aquele que grita “Brasil acima de tudo”, mas se ajoelha diante do Departamento de Estado? Que diz defender a soberania nacional, mas vibra quando ela é ameaçada — desde que a ameaça venha com sotaque americano?
É o novo nome da vassalagem: patriotismo performático, que some na primeira oportunidade de bajular o norte.
E como toda encenação, o que falta é verdade. A Lei Magnitsky foi criada em 2012, no governo Obama, para punir os responsáveis pela morte de Sergei Magnitsky — advogado russo que denunciou um esquema bilionário de corrupção e morreu sob tortura. Desde então, a lei se ampliou para atingir figuras autoritárias e regimes opressores — não ministros de tribunais constitucionais que aplicam a Constituição.
Fingir que Moraes se encaixa nesse perfil é desonestidade ou desespero. Talvez os dois.
Porque o real objetivo não é defender direitos humanos. É provocar conflito. É internacionalizar uma briga doméstica. É enfraquecer o STF. É colocar o Brasil no colo da polarização global. É tentar, mais uma vez, desmontar as instituições por dentro — com aplausos de fora.
E enquanto isso, parte da imprensa brasileira, infectada pelo bolsonarismo e exalando hipocrisia, assiste em silêncio. Os que dizem amar a pátria silenciam. E os que deveriam zelar pelo equilíbrio institucional brincam de incendiar pontes diplomáticas — em troca de likes e afagos no exterior.
No fim, a história se repete. Só muda o sotaque.
“Independência ou morte”, gritaram em 1822.
Em 2025, alguns já sussurram: Sanções, por favor.