Em Adrianópolis, cidade do Vale do Ribeira, a 120 quilômetros de Curitiba, não há quem não conheça a assistente social Lorena Cristina Conceição, 37 anos. Para encontrá-la nem precisaríamos do endereço, muito menos consultar o GPS. Dos amigos que jogam sinuca num bar, que fica na entrada da cidade, a pedestres que transitam pelos 8 quilômetros de estrada de terra que ligam Adrianópolis à Capelinha, bairro da zona rural onde Lorena e a família moram, todos sabem quem ela é, e conhecem sua história.
Tal fama inesperada aconteceu porque, no dia 24 de agosto de 2013, seu filho João Rafael Kovalski desapareceu enquanto brincava no quintal de casa. O desaparecimento do menino que sumiu sem deixar nenhum vestígio, cinco dias antes de completar dois anos de idade, chocou a cidade de 9 mil habitantes e mudou a vida de Lorena e sua família. “Vivemos com uma saudade imensa dele. Uma saudade que doí. Parece que corrói por dentro”, conta Lorena. Cercado de mistérios, o desaparecimento já completou cinco anos. A primeira suspeita foi que ele havia saído de casa e ido até o rio, que corre nos fundos do terreno. Foram feitas buscas no rio, no mato, foi investigado o caminho, mas nada foi encontrado. Para polícia, o desaparecimento é um grande mistério. Para família, um vazio devastador.
• Clique aqui agora e receba todas as principais notícias do Diário de Curitiba no seu WhatsApp!
Para nos contar sobre a história, Lorena nos recebe em sua casa, o lugar que tudo aconteceu. Ela mora ao lado da casa de seus pais. Os quintais são interligados, separados apenas por um portão de ferro de um metro e meio de altura. Numa casa moram seus pais. Na outra, Lorena, Lucas Kovalski, o marido, e os filhos, Gabriel Santos e Luriane Santos, do primeiro casamento, e Polliana Santos Kovalski gêmea do João Rafael. Ali, onde as crianças sempre circularam livremente entre as duas casas da família, as lembranças do menino loirinho de olhos claros estão presentes em toda parte. Do cartaz colado num pilar, logo na entrada da casa da Lorena, com sua foto, ao quintal vazio onde ele corria e brincava.
O desaparecimento
No dia 24 de agosto, às 10h30, todos estavam em casa. Era um sábado quente e abafado, o que é comum naquela região rodeada por montanhas. João Rafael brinca no quintal, entre a casa dos avós e sua casa. Lorena varre o quintal. De onde ela está não é possível ver o menino. Mas a certeza de que ele está a poucos metros a deixa tranquila, pois imagina que esteja seguro ali pertinho. João Rafael brinca sozinho. A irmã gêmea também brinca, mas está perto do pai e dos avós.
Seu Teodoro dos Santos, avô materno, lembra que colocou um boné que havia ganho numa reunião sindical no menino, foi quando João Rafael pediu a papinha, que ele sempre comia pela manhã. O avô serve a papinha ao menino, que fica brincando ali, perto. Depois sai com o boné branco na cabeça em direção a casa dos pais. Seu Teodoro fica tranquilo, pois acha que alguém está tomando conta da criança. “Ele saiu com o boné virado de lado e eu só vi ele indo em direção a sua casa”, relembra o avô. Seu Teodoro foi um dos últimos na casa a ver o menino.
Dona Maria dos Santos, a avó materna, também lembra dessa cena. “Eu vi quando ele saiu com bonezinho virado na cabeça e foi em direção a casa da Lorena”, recorda. A avó estendia roupas no varal, bem ao lado de onde João Rafael brincava. Depois, vai para cozinha preparar o almoço. Estavam todos ali mesmo, na cozinha quando a avó sente falta do menino. “Senti falta do Joãozinho e falei para Lorena: Filha, onde está o João? Nesse momento saímos para procurar ele”, relembra dona Maria.
Lucas, o pai, está na cozinha. Não vê nada, e não estranhou nada. De repente não se houve e nem se vê mais o menino. Foram apenas alguns segundos de descuido e João Rafael desaparece de dentro de um quintal cercado. Praticamente debaixo dos olhos de toda a família. O pânico toma conta de todos. Alguns correm pela casa. Outros seguem em direção ao rio, que fica nos fundos, a poucos metros da casa. Vão procurar o menino.
A procura no rio
O Rio Ribeira passa nos fundos da casa da família de João Rafael. A primeira hipótese que surge, é que o menino teria ido até o rio sozinho. Mas isso não seria uma tarefa fácil. O quintal das duas casas é todo cercado com tela. E mesmo que ele conseguisse passar pela tela, existe ainda um barranco de mais ou menos dois metros de altura, depois da tela, o que dificulta ainda mais o acesso.
A outra opção seria um portão ao lado da casa do Seu Teodoro. Mas passar por ali também não seria uma tarefa fácil. Para chegar ao portão, o menino teria que passar pela mãe, que varria o quintal. Caso passasse de alguma forma pela mãe sem que ela o visse, seria preciso que ele descesse um barranco íngreme, de mais de dois metros, se equilibrando em pedras para chegar até o rio. Uma tarefa complicada até mesmo para adultos. João Rafael tinha na época um pouco menos de um metro de altura. Lorena é enfática ao afirmar que isso seria praticamente impossível. “O acesso ao rio era praticamente impossível para uma criança do tamanho dele”.
Mesmo assim, foram vários dias de busca por João Rafael nas margens do rio. Por terra. Pela água com canoas. Lucas e Lorena ajudam nas buscas. Conhecedor da região, Lucas ficou dias e noites em cima de uma pedra num lugar estratégico do rio esperando para ver se veria o corpinho de João Rafael passar boiando. A população de Adrianópolis também abraçou as buscas e fizeram barreiras para ajudar a interceptar o corpo do menino, caso ele tivesse mesmo caído no rio. A polícia fez diligências, uma equipe do Grupo de Operações de Socorro Tático (Gost), também fez buscas no rio Ribeira, mas até hoje, nenhum corpo foi encontrado no rio.
O capitão Daniel Lorenzetto, comandante do Gost, disse em entrevista ao Tribuna da Massa (Jornal diariamente exibido na TV Massa, filial do SBT no Paraná), 28 dias após o desaparecimento, que apesar de haver a possibilidade de o menino ter entrado no rio, a probabilidade de que isso realmente tenha acontecido é muito baixa. “Quando começamos as buscas o rio tinha bastante visibilidade, pouca correnteza e nível baixo, isso facilitaria a localização desse menino se ele estivesse no rio. Mesmo assim nossos operadores do Gost fizeram uma busca minuciosa ao longo do rio e não acharam nada. Se ele estivesse no rio já teríamos achado”, explicou.
Um sequestro?
As buscas no rio se encerram. E nenhum sinal de João Rafael. A família passa a acreditar que o menino possa ter sido roubado, ou sequestrado. Nas buscas pelo rio os bombeiros usaram cães farejadores. Mas eles chegaram só quatro dias depois. Mesmo assim, os cães deram sinais de que o menino esteve pelo rio. Mas pode ter sido qualquer outro dia, com a família. “Nunca ia para o rio. Nós sempre falávamos que tinha cobra, jacaré e bichos, então eles nunca iam no rio sozinhos, eles tinham medo”, explica Seu Teodoro. Lorena explica que também sempre orientou os filhos sobre os perigos de ir ao rio sozinhos. “Sempre falei, e criança que nasce e cresce perto de rio não tem tanta curiosidade, pois o vê todo dia. Então eles nem ligavam para o rio na verdade”, diz Lorena.
Os cães também mostraram um outro trajeto, que deixa ainda bem mais forte a suspeita de um sequestro. “Os cães davam a volta pela casa e saiam pelo portão. Aconteceu mais de uma vez”, relembra Lorena. A família sempre teve o cuidado de fechar o portão com cadeado. Mas naquele dia um detalhe chamou a atenção. O portão da casa de Lorena foi encontrado entreaberto. A última pessoa que passou pelo portão foi o avô paterno de João Rafael, o Seu João Kovalski. Seu João havia levado iogurte e guloseimas aos netos naquela manhã. Saiu um pouco antes do horário em que o neto foi visto pela última vez. Quando chegou em casa recebeu a ligação do filho sendo avisado do desaparecimento do neto. Ficou desolado.
Lorena sempre suspeitou que o filho foi roubado. “Uma intuição que eu tenho. Um sexto-sentido”, explica Lorena. Dieniffer Santana, é uma vizinha. Mora bem em frente à casa da Lorena. Ela conta que na manhã em que João Rafael desapareceu estava em casa e não viu nada de diferente. Nenhuma movimentação estranha. Nenhum barulho. Nenhum choro de criança. Dieniffer assim como Lorena, aposta na hipótese que o menino tenha sido roubado. “Acho que o menino foi roubado. E para fazer isso [sequestrar sem ninguém ver nada] teria que ser alguém conhecido. Que conhecesse inclusive a casa da Lorena”, relata.
A investigação
Desde que o menino desapareceu, milhares de especulações surgiram, mas efetivamente apenas duas pistas foram encontradas perto do rio. Um boné, parecido com o que João Rafael usava quando desapareceu. E uma fralda suja de sangue. Mas a polícia não confirma se elas têm algo a ver com João Rafael. O boné achado no rio, e anexado como pista ao inquérito é de um sindicato, e existem centenas de copias idênticas a ele pela cidade. Ou seja, não se pode ter certeza de que o boné encontrado no rio é o mesmo que o menino usava quando desapareceu.
Ainda hoje, cinco anos depois do desaparecimento, não foi feita a análise de DNA chamada “Exame de DNA Mitocondrial’, com o material genético encontrado no boné. Segundo a polícia, o fio de cabelo que estava preso à peça não tinha condições de passar pelo exame. A outra pista, a fralda, é da mesma marca que João usava, e tinha mesmo sangue. Mas também não foi possível fazer o exame completo de DNA, por seu um material com muita química.
Um retrato-falado de uma mulher que teria sido vista na região com uma criança loira também foi feito e a mulher procurada. Mas nenhuma informação sobre quem seria a mulher do retrato-falado foi divulgada pela polícia civil. Desde então, várias hipóteses foram levantadas, inclusive a de que o menino teria sido levado para a Holanda. Em julho de 2014, algumas suspeitas foram levantadas sobre a possível participação de uma ex-babá no sequestro da criança, mas nada foi confirmado.
No inquérito policial do desaparecimento de João Rafael já constam mais de 3 mil páginas e 100 pessoas ouvidas. Ele corre sob sigilo de justiça e detalhes não são divulgados. Segundo a delegada do Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Sicride), Iara Dechiche, as investigações nunca pararam.
Erro causa revolta
No dia 24 de abril de 2018 uma postagem errada numa página do Facebook alegrou o coração de Lorena e sua família. O post errado era da Polícia Civil no Facebook, que afirmava que o seu filho havia sido encontrado. Assim que viu a foto do filho com a tarja vermelha de “encontrado”, ela sentiu esperança e acreditou que a dor que sentia por tantos anos terminaria. Mas não foi o que aconteceu. “Depois que a publicação saiu, todo mundo estava atrás de mim e, como eu trabalho em um lugar de difícil acesso, não conseguia obter mais informações. Como assim tinham encontrado o meu filho? Onde? Eu fiquei sem chão. Tentava ligar para o Sicride e ninguém atendia, foi uma mistura de euforia e agonia”, relembra.
Após a repercussão da publicação no Facebook a Polícia Civil informou que houve um erro no sistema, ocorrido por causa da ‘duplicidade’ do Boletim de Ocorrência sobre o caso. A foto de João Rafael foi, então, removida da página e substituída por outra, informando que ele continua desaparecido. Mas até isso acontecer, a mãe já tinha acreditado que veria o filho em breve. “Eu achei que era verdade, ainda mais porque veio da polícia”. Depois de saber do erro cometido pela polícia a alegria virou revolta. “Depois que soube do erro fiquei muito decepcionada, foi uma palhaçada”, desabafa.
A irmã gêmea – um motivo para sorrir
Diante de tantas incertezas, de onde tirar foças para seguir em frente? A resposta está na pessoa mais próxima de João Rafael, a irmã gêmea, Polliana. Com a mesma idade, os mesmos traços, a irmã gêmea é um poço de doçura, e a única capaz de colocar um sorriso no rosto da Lorena e do Lucas no meio de toda essa tragédia.
Ainda sem entender a dor, a menina que hoje tem 7 anos, se diverte pela casa com suas bonecas e suas coleguinhas, enquanto entrevistamos sua mãe. Envergonhada, ela chama a mãe com uma voz baixa e mansa, durante a entrevista, e pede para ir à casa de uma amiguinha para brincar na piscina e se refrescar. Lorena faz um interrogatório para saber onde, quando, como, com quem e que horas voltaria, caso fosse autorizada a ir. Depois das respostas da filha, ela ainda fica relutante. A menina, com um sorriso meigo e inocente, oferece todos seus esmaltes novos, que ganhou de uma tia, em troca do aceite da mãe. Lorena pensa por mais um tempo, e responde que autoriza, com a condição de que um adulto, que ela conheça, a leve até o local [duas casas ao lado], e adultos as supervisionarem enquanto brincam. Polliana toda feliz agradece e beija a mãe. Lorena a lembra do acordo entre as duas e diz. “Perdeu os esmaltes, lembre-se que agora são meus”. A menina, como a xará da literatura contemporiza. “Pelo menos irei me refrescar nesse calorão mãe”, diz com um sorriso de orelha a orelha no rosto.
Lorena respira fundo. Pensa por um minuto, e ri para filha a admirando de longe, enquanto ela comemora o aceite da mãe com suas coleguinhas. Depois de mais uns minutos de silêncio, olhando para filha Lorena diz: “Filhos são tudo em nossa vida. Hoje em dia agradeço cada minuto ao lado da minha Poliana”. No fundo, nesses momentos em que ficou em silêncio, talvez Lorena, uma ávida leitora de romances, tenha refletido que tem ali pertinho a sua “Pollyanna particular”, e que assim como no clássico da literatura, escrito pela romancista Eleanor H. Porter, há mais de 200 anos, ela pode jogar o “Jogo do Contente” da vida real enquanto espera por João Rafael.