Especialista paliativista tira dúvidas sobre benefícios e formas de tratamento em reportagem especial
Quando nos deparamos diante de quadros de doenças graves, progressivas e incuráveis, momento em que para muitos é o fim, inicia-se o tratamento, os cuidados paliativos, que surgem como uma forma de abordagem dentro da medicina em que o conforto e qualidade de vida são priorizados. Para começarmos nossa abordagem ao tema, primeiramente precisamos entender os números e o que é o chamado “Cuidados Paliativos”.
De acordo com a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), menos de 10% dos hospitais brasileiros disponibilizam uma equipe de cuidados paliativos, sendo mais de 50% dos serviços concentrados na região sudeste. Nos Estados Unidos, mais de 75% dos hospitais norte-americanos com mais de 50 leitos possuem os cuidados. Enquanto no Brasil, ainda estamos engatinhando nesse sentido.
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Para Daiane Campos Nascimento, médica paliativista da Lar e Saúde, uma das maiores prestadoras de serviço home care (tratamento a domicílio) do Brasil, o paliativismo é um atendimento que não visa a doença, mas sim a pessoa. “Pode ser um câncer, uma doença infecciosa ou neurológica. Qualquer tipo de sofrimento que essa doença ou condição gere na pessoa e na sua família é passível de tratamento através da abordagem dos cuidados paliativos”, afirma.
Entre as assistências promovidas estão o controle de diversos sintomas físicos como dor, náusea, vômito, tontura, intestino preso ou solto, infecções , sintomas sociais, psicológicos e até mesmo espirituais. “É comum que, além do medo de morrer, o paciente tenha outros sofrimentos, como o fato de ser o provedor e preocupar-se com o sustento da casa ou até mesmo o sofrimento por uma questão espiritual. Os cuidados paliativos atendem os necessitados em todas as esferas possíveis” explica Daiane.
Confira a entrevista completa:
Como funcionam as etapas de atendimento?
Não tem um tempo predeterminado; dura enquanto o paciente precisar. Existem doenças que progridem muito rápido. O câncer, por exemplo, dependendo do tipo, localização, pode progredir em uma semana, dez dias, um mês ou vários anos. Existem doenças que são lentas, como demências e doenças neurológicas degenerativas, e que não têm um tratamento específico. Podem perdurar por 10, 15 anos ou mais. Outro caso são pacientes que tiveram um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e que podem viver por décadas com as condições ocasionadas pelas sequelas. Então, os cuidados paliativos são fornecidos desde o diagnóstico e durante todo o tempo de vida daquela pessoa.
Qualquer que seja o diagnóstico e o tempo de evolução da doença, oferecemos cuidados e conforto para o paciente e família, já que em determinado momento a doença acaba avançando e exige muito dos familiares também. Então, o cuidado é mais uma conversa, apoio para a família e ao paciente. Pode ser que o paciente esteja bem em relação à aceitação e aos sintomas, mas a família está preocupada, então a consulta acaba sendo mais para a família. Os cuidados variam conforme a necessidade. A abordagem difere do convencional e a intenção é trazer conforto e dignidade, além de evitar os internamentos recorrentes.
Como é o processo de aceitação da doença, quando paciente tem medo e até mesmo preconceito?
Existe preconceito às vezes dos próprios profissionais, por desconhecimento, por não compreender a função de uma equipe de cuidados paliativos. Existe um estigma, de que os cuidados paliativos poderiam apressar a morte ou deixar de fornecer tratamentos necessários ao paciente. Às vezes pode existir resistência por parte do paciente, família e até da própria equipe. Nós precisamos trabalhar de uma forma educativa, objetiva, calma e acolhedora, mostrando o que realmente são os cuidados paliativos.
À medida em que o tempo passa e que se entende que a doença não tem cura, mas a equipe está ali para o bem-estar dele, paciente e família acabam aceitando. Eu nunca tive nenhuma experiência de não aceitarem até o fim. E, é por isso que é muito importante o acompanhamento em conjunto, para que, quando a equipe médica responsável pela doença de base solicite a equipe de cuidados paliativos, a gente possa fazer uma transição de cuidados e não apenas uma troca de equipe.
Existe algum benefício de fazer o tratamento em casa?
Sim, principalmente na questão do conforto. Estar em casa, para a maioria das pessoas, é o melhor. Você está na sua cama, com a sua comida, sua coberta, seu travesseiro. Então isso, para o idoso, por exemplo, principalmente se tiver diagnóstico de demência, é algo essencial.
Em casa, você tem o cheiro das suas coisas, suas fotografias, as pessoas que você ama. No hospital, a pessoa tem, geralmente, apenas um familiar presente ou nenhum, principalmente agora com as restrições da pandemia. Na UTI, é pouco tempo para visitas. O paciente acaba perdendo a noção de se é dia ou noite, fica o tempo todo um ambiente claro, o que dificulta sono, descanso e, consequentemente, o controle de sintomas. Então estar em casa, se possível, é uma importante medida de conforto, e o cuidado paliativo estuda formas e procedimentos que permitam ao paciente ficar em casa o máximo possível.
Claro que isso é de acordo com o desejo dele e de sua família. Tem paciente que não deseja adoecer e falecer em casa. Às vezes é um desejo do paciente, mas tem famílias que não conseguem se estruturar e prover os cuidados necessários. Tudo deve ser considerado, Inclusive, situações de instabilidade e urgências em que seja necessária avaliação hospitalar.
Do ponto de vista médico, não tenho dúvida de que estar em casa é um fator positivo, pensando em controle de sintomas, conforto, presença de familiares. Conseguimos fazer em casa inúmeros procedimentos que antes eram feitos apenas no hospital, como medicamento endovenoso ou subcutâneo, soro, curativos e procedimentos específicos a cada caso.
Além do paciente, a abordagem da equipe de cuidados paliativos também é direcionada aos familiares?
O acompanhamento é também da família, sem dúvida. É uma família que sofre e tem que aprender a se adaptar a novas condições, mudar uma estrutura familiar que existia antes e agora não é mais possível. Toda equipe atua nos cuidados com a família, com auxílio para aprender cuidados específicos com o paciente, entender o funcionamento e progressão da doença, adaptação à nova situação, conformação familiar e para lidar com uma variedade de sentimentos.
Às vezes a família também não aceita e não entende que a condição do seu ente querido é irreversível e isso é muito difícil. É nesse ponto que entra todo o trabalho da equipe para abordar essa família. Nada pode ser imposto, mas sempre conversando, explicando, tirando dúvidas para que entendam aos poucos.
Nos momentos que antecedem a morte, existe diferença entre os pacientes que fizeram e os que não fizeram cuidados paliativos?
É uma diferença muito perceptível entre você ter um paciente acompanhado pelos cuidados paliativos e outro não. Controle de sintomas, sofrimento, por exemplo. Quando alguém fala que é triste trabalhar com essa especialização, minha resposta sempre é: ‘Triste é alguém que morre nessas condições sem um paliativista que possa ajudá-lo no momento do enfrentamento’.
A comunicação é um dos pilares dos Cuidados Paliativos. Se o paciente desejar saber todas as informações, é preciso explicar o caráter da doença, progressão, intenção do tratamento curativo ou paliativo. Muitos pacientes fazem quimioterapia paliativa, por exemplo, e não sabem o significado disso. A comunicação clara, empática, verdadeira e acolhedora, isso muda tudo.
Dar para ele a possibilidade de entender o que está acontecendo preserva a sua autonomia na tomada de decisões e permite diálogos abertos entre médico, paciente e família. Permite encontrar um pouco mais de paz, tranquilidade e aceitação para aquele momento. Além de colaborar para a resolução de pendências. Se ele tem clareza das informações, está livre para resolver o que precisar antes de partir.
Qual a importância dos cuidados serem feitos por alguém certificado para isso?
O cuidado paliativo é uma especialidade médica, uma área de atuação. É uma técnica e exige formação específica para tal, seja uma especialização ou residência, assim como em outras especialidades e áreas de atuação. É essencial que todos da equipe tenham formação em cuidados paliativos, porque você precisa dessas habilidades e a equipe precisa ser unida na linha de raciocínio, para prover o melhor cuidado possível. O cuidado paliativo é um conjunto de habilidades, seja com procedimentos ou comunicação. É preciso técnica para comunicar uma má notícia, saber conversar sobre a proximidade da finitude, saber conversar com a família, explicar situações e decisões difíceis. Não dá para simplesmente gostar de cuidados paliativos e achar que está pronto.
No caso da medicina, uma boa forma de verificar a formação é conferindo o nome do profissional no site do CRM e verificar a área de atuação e especialização registrados lá. É a forma mais segura de saber se o seu médico é, de fato, um especialista.
Sobre a Lar e Saúde
A Lar e Saúde promoveu simpósios nos últimos anos, o núcleo de cuidado paliativo viabilizou momentos de conhecimento e trocas de experiências entre equipe de atendimento ao paciente, operadoras de saúde e familiares.
Prestando assistência domiciliar em todo o Brasil desde 2002, suas equipes são formadas por médicos generalistas e especialistas, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionistas e psicólogos e outros especialistas que o paciente necessitar, toda a estrutura para o tratamento personalizado e humanizado.
Colaboração Assessoria de Imprensa