O depoimento do Ernesto Araújo a CPI da Covid: Como a Política Externa se relaciona com a Política Interna?
Um debate que surge no período de eleições eleitorais para o cargo da presidência da república é – qual a importância da política externa? Como ela impacta na política interna? Se já temos problemas internos a serem solucionados em um país tão desigual como o Brasil, por que o nosso país deve investir na sua relação com outras nações?
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Uma maneira de responder a esses questionamentos é pensarmos no depoimento que o ex-ministro das relações exteriores Ernesto Araújo deu no dia de hoje, 18 de maio de 2021, a CPI da Covid que apura irregularidades na política de combate a pandemia do Corona Vírus.
Desde o início do mandato do Presidente Jair Bolsonaro uma das diretrizes buscadas na política externa é o combate ao “globalismo”. Para o ex-ministro das relações exteriores e o próprio presidente da república o termo é sinônimo do marxismo cultural, em que países adeptos ao globalismo usam suas relações econômicas para divulgar o marxismo ao redor do mundo. Por isso, na concepção deles, o Brasil deve evitar e não progredir em relações comerciais com países que seguem essa linha ideológica.
O globalismo entendido dessa maneira foi adotado também por outros países que possuem dirigentes políticos de viés ideológico de extrema direita como era o caso do Donald Trump nos Estados Unidos. Joseph Nye, pesquisador na área de relações internacionais, aponta que o termo é vago e historicamente teve outras definições que não estão relacionadas com a compreensão de Ernesto Araújo e da extrema direita mundial. Para o pesquisador, o globalismo se tornou um slogan de campanha para afastar relações diplomáticas com países ditos como “não capitalistas”.
Nesse sentido, desde 2019 o Brasil passa por problemas diplomáticos com a China – considerada pelo presidente e por Ernesto Araújo como uma nação globalista. Após o início da transmissão de corona vírus no Brasil, em março de 2020, as relações diplomáticas entre os dois países se tornaram ainda mais conturbadas e conflituosas. Bolsonaro e o ex-ministro utilizaram as suas contas no twitter para fazer insinuações de que a “China havia criado o Corona Vírus como uma arma química”. Além disso, duras críticas foram diretamente direcionadas ao governo chinês e ao Embaixador da China no Brasil.
Desde o início da CPI da Covid, entre os depoimentos já escutados, já sabemos que o corpo diplomático brasileiro que atua na embaixada na China, apenas começou as negociações de envio de vacinas e insumos em novembro de 2020, sendo que o Brasil já tinha altas taxas de mortalidade pelo Corona Vírus meses antes. Nessa mesma época o Brasil negociava a passos largos com a Índia a comercialização de cloroquina, medicamento que até o dia de hoje não possui comprovação científica de eficácia para combater o vírus.
A China é um dos grandes produtores de insumos para as vacinas de combate ao Corona Vírus. Além disso, o país possui cinco vacinas de eficácia comprovada para o combate desse vírus. O fato de o Brasil apenas começar a negociação meses depois da situação estar catastrófica demonstra o negacionismo em relação a epidemia e como a ideia de globalismo prejudica as relações entre o Brasil e a China (sendo ainda o maior parceiro comercia que o Brasil possui).
Ernesto Araújo durante seu depoimento na manhã de hoje na CPI da COVID apontou que em nenhum momento o Itamaraty teve atritos com a China. O senador Osmar Aziz do PSD acusou o ex-ministro de estar mentindo, visto que houve conflitos diplomáticos entre o embaixador da China no Brasil e o Ernesto Araújo e o Presidente da República. Esses conflitos foram vistos pelos twettes enviados e artigos não científicos publicados pelo ex-ministro em que o mesmo se contrapunha a atuação da China no combate ao Corona Vírus. Em seu depoimento, o ex-ministro não se manifestou ao ser indagado pelo senador Otto Alencar do PSD sobre as quinze declarações públicas de Bolsonaro contrárias ao uso de vacina.
O depoimento de Araújo não muda o fato de a China estar segurando os insumos que deveriam ser enviados ao Instituto Butantan para produção de vacinas. Caso esses insumos não cheguem, a vacinação que já é lenta sofrerá maior impacto, prejudicando as pessoas que tomaram a primeira dose e que terão que esperar um maior tempo para tomarem a segunda dose. Impacta também no tempo que os cidadãos brasileiros ainda não vacinados terão para tomar a primeira dose.
A política externa do Brasil em relação a China está impactando diretamente na política de vacinação brasileira de combate ao corona vírus. Durante muitas décadas, o Itamaraty, foi considerado umas das melhores instituições de política externa do mundo, com uma formatação de recrutamento de diplomatas seguida por muitos países. Em uma era de interdependência entre os países é impossível uma nação pensar sua política interna sem avaliar a sua relação com outros Estados, especialmente quando esse outro país em questão é um dos seus maiores aliados econômicos. A política externa não pode ser desenvolvida com base em ideologismo. Só temos a perder com uma política externa que não se propõem ao diálogo e estratégias pensadas a médio e longo prazo.