No dia dos pais deste ano houve o lançamento do livro “Família Harrad Reis: uma família de todas as cores e todos os amores” escrito pelos militantes históricos Toni Reis e David Harrad e pelos seus três filhos.
Composto por onze capítulos e um epílogo, o livro aborda os diferentes aspectos de uma família homoafetiva, como a construção do relacionamento do casal e dos pais com os filhos. Contudo, a singularidade e a beleza desse relato não está apenas nos desafios e alegrias familiares, mas sobretudo na militância e nos percalços que o Toni e o David encontraram em suas trajetórias pessoais e políticas.
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Conforme consta no texto de apresentação “esta pequena história não tem como objetivo proporcionar um modelo de família homoafetiva, apenas dar exemplos para que as pessoas possam entender e respeitar cada vez mais as famílias que não se enquadram no modelo tradicional.” O aspecto político permeia todo o texto, desde o relato do desejo de adotar até as dificuldades encontradas pelo casal para consolidar esse sonho em um momento em que o Estado não reconhecia a união de casais do mesmo sexo e, portanto, não possibilitava direitos a pessoas LGBTI+ como a adoção.
É possível afirmar que o livro é dividido em duas partes principais, sendo a primeira parte uma versão de outro livro dos autores “Direito de amar: a história de um casal gay” escrito em 1995 – ano em que eu nasci – que vai abordar aspectos dos pais, a maneira como se conheceram e como ocorreu a relação entre os dois. Já a segunda parte é sobre o processo de adoção dos três filhos e a construção de sua família.
Eu li o primeiro livro na época em que estava na graduação, antes de trabalhar no Grupo Dignidade, logo antes de conhecer o casal. Me recordo que foi uma leitura rápida, mas que trouxe uma série de reflexões para aquele momento da minha vida. Enquanto um jovem gay estava passando por algumas questões que envolviam a minha sexualidade como o ato de assumir a homossexualidade para familiares, contudo alguns dos meus direitos já estavam assegurados como a união estável e a adoção.
Um livro que foi escrito a duas décadas antes relatava um contexto completamente diferente do que eu estava vivendo, conforme os autores relatam a homossexualidade era pouco discutida no Brasil e não se reconhecia oficialmente casais homoafetivos.
Ler essa parte do livro agora, após alguns anos e já participar do movimento LGBTI+ e do Grupo Dignidade a cinco anos trouxe outra visão. Acontece que eu conheço o casal, aprendi muito com eles esses anos todos e retomar esse texto foi um momento de muita alegria – e até certa curiosidade. Lembro que no período no qual estava fazendo a leitura li trechos junto com o Lucas Siqueira, diretor geral da ONG, conversei com o David sobre o seu período de educação básica na Inglaterra, perguntei ao Toni sobre seus irmãos, falei com a Jéssica, filha do casal, sobre sua infância no Rio de Janeiro.
Aos leitores interessados, nesta primeira parte os autores relatam suas infâncias e o processo de entendimento da homossexualidade. Esse elemento é comum nas duas histórias de vida, o fato de serem gays trouxe diversos conflitos pessoais na adolescência e começo da vida adulta.
Mas o momento mais bonito é quando eles se conhecem em uma estação de metrô em Londres. Os autores relatam o anseio que esse encontro causou, a ansiedade de se verem novamente e as barreiras que o contexto social da época trouxe para o desenvolvimento da relação.
Ao término de seu capítulo biográfico Toni Reis relata sua experiência em Londres, os trabalhos que estava desenvolvendo como garçom e entregador de jornal, assim como a dificuldade com o estudo da língua inglesa. Contudo, o que marcou essa viagem, não nos resta dúvida, foi conhecer David Harrad. Nesse momento Toni relata o seguinte: “Foi então que encontrei meu grande amor.”
Na segunda parte do livro os autores abordam o processo de adoção que diferente como ocorre hoje foi necessário a judicialização do caso. A adoção não era um direito, foi preciso entrar com processos e aguardar a decisão de juízes para que a família pudesse se concretizar – repare que utilizei juízes no plural, uma vez que não foi na primeira tentativa que conseguiram realizar o sonho da paternidade.
Sobre esse momento da leitura fiquei impactado sobre a questão da adoção tardia. É muito comum hoje pessoas LGBTI+ expressarem seus desejos de adotar crianças, mas pouco se sabe acerca das dificuldades de adaptação e desenvolvimento da rotina familiar.
Percebo hoje, a partir da leitura do livro, que existe uma romantização da adoção. Quantos desses jovens LGBTI+ hoje estão preparados para a adoção? Se ainda não estão, como fazem, se fazem, para se preparar?
“Muita felicidade e realização. Tudo o que queremos. Tem mais preocupações e menos depressões irreais. Temos que dar limites e temos que ouvir. Saímos de uma bolha individualista para entrar num mundo coletivo de pessoas e animais. Que viva a família de todas as cores e todos os amores. Que viva a família de fato e de direito.
Entre perdas e ganhos, entre orgulho e arrependimento, sobrou amor e realização. Valeu a pena. Muitas emoções, pouquíssimas decepções e muito, muito entusiasmo de escolher o que somos e fazemos.
Quando pensamos em adotar, pensamos que íamos “arrumar pra cabeça”, mas é muito melhor tê-los do que não tê-los.”
A mensagem final do livro acaba demonstrando que mesmo a adoção tardia ser um processo que pode ocasionar dificuldades e percalços a alegria que uma família proporciona, os momentos com os seus e o amor que nasce e se desenvolve é capaz de possibilitar imensos aprendizados.
O livro Família Harrad Reis emociona, faz rir, cativa e traz uma reflexão necessária para todos nós que é a luta por direitos. A leitura é mais que recomendada, é fundamental para nossa humanização. E sim, que viva a família Harrad Reis!