Degelo
Lucrecia Zappi
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A história de uma amizade marcada por um crime, contada de maneira lírica e ágil, da autora de Acre. Esta é a proposta de Degelo, mais recente lançamento de Lucrecia Zappi. Durante uma visita a um museu em Praga, Ana vê seu passado refletido em um quadro. O retrato traz à tona Eleonora, uma pessoa que ela gostaria de ter esquecido há muito tempo. Na única noite em que se encontraram, ainda adolescentes, cometeram um crime que escandalizou o Brasil: queimaram um indígena nas ruas de São Paulo.
Após o homicídio em plena avenida Angélica, Eleonora é condenada a mais de dez anos de prisão e cumpre quase metade da pena na Penitenciária de Santana. Ainda menor de idade, Ana passa três anos na Fundação Casa. Ao sair, diante da pressão de ser reconhecida e agredida nas ruas, segue para o apartamento da família em Nova York. Em Manhattan, obriga-se a uma existência monástica, entre a paixão
obsessiva pelo piano e a paranoia sobre sua figura pública. Incentivada por Max, o pianista com quem trabalha, inicia uma troca de correspondência com Eleonora e decide convidá-la para passarem o inverno juntas. A chegada bombástica da amiga em Nova York força as duas jovens a lidar com o passado e a romper a bolha existencial em que vivem.
Degelo é um romance de estrada, enraizado nos hábitos de uma elite acostumada a ultrapassar limites, mas também é sobre os rituais de desafio de disputas territoriais entre adolescentes, onde a coragem, a honra e a submissão definem as pessoas na comunidade, mesmo que isso implique uma ação transgressora e até delinquente. Ao mesmo tempo que reflete sobre o amadurecimento e a educação de jovens encarcerados, sob a patrulha implacável da opinião pública e o estigma perpétuo que carrega um criminoso, este livro também é a história de uma amizade impossível e do difícil retorno à sociedade.
Lucrecia Zappi nasceu em Buenos Aires em 1972. Atualmente mora em Nova York, onde cursou mestrado em Criação Literária pela NYU. É autora dos romances Onça preta (Benvirá, 2013) e Acre (Todavia, 2017).
Medo da consciência negra
Lewis R. Gordon
Nesta obra original e profunda, Lewis R. Gordon conduz o leitor pela história do existencialismo negro e do desenvolvimento da consciência racializada. Neste livro, a partir do estudo do surgimento da noção eurocêntrica e colonialista de “raça”, Gordon percorre as inúmeras formas de emergência da consciência negra nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, bem como as reações a ela, muitas vezes insidiosas e pouco perceptíveis. O quadro traçado aqui é complexo e surpreendente, revelando as fissuras e divergências no próprio seio das comunidades afrodescendentes.
Para o filósofo e pensador político afro-judeu, a consciência negra, com inicial minúscula, distingue-se da consciência Negra, com maiúscula. A
primeira se limita à percepção, por parte dos negros, de que são discriminados e oprimidos, e é basicamente passiva. Já a consciência Negra é ativa: apela para uma ação que combata e supere os fundamentos do racismo estrutural. Ao atacar, por exemplo, a excessiva ênfase contemporânea na ideia de “corpos negros”, o autor mostra como ela pode ser instrumentalizada por uma concepção racista, que vê os negros como corpos meramente desfrutáveis ou capazes de performances notáveis no esporte e nas artes, mas desprovidos de consciência. Uma análise detida e arguta do filme Corra! embasa e ilustra essas reflexões.
Com o olhar atento para movimentos contemporâneos, como o Black Lives Matter, e para as produções recentes da indústria cultural, Gordon debate e atualiza ideias de pioneiros como W. E. B. Du Bois e Frantz Fanon para abordar o antirracismo em suas articulações com outras questões de identidade e pertencimento: de gênero, classe social, ideologia política, religião etc.
Nascido na Jamaica e radicado nos Estados Unidos, o filósofo Lewis R. Gordon é uma das grandes autoridades atuais nos temas relacionados ao racismo. É chefe do departamento de filosofia da Universidade de Connecticut e publicou, entre outros livros, An Introduction to African Philosophy (1998) e Freedom, Justice, and Decolonization (2020). Medo da consciência negra é seu primeiro livro publicado no Brasil.
Enquanto anoitece
Luiz Eduardo Soares
Neste romance de Luiz Eduardo Soares, um homem simples do interior do nordeste cruza o país, de 1955 a 2005, migrando da violência institucionalizada — foi pistoleiro na ditadura— à nobreza do amor paterno — mais velho, torna-se um pai dedicado e trabalha como porteiro no Leblon. Diante de impasses e bifurcações do destino, os protagonistas deste romance feroz se movimentam com uma energia dramática que captura o leitor desde a primeira página.
Luiz Eduardo Soares é cientista político, antropólogo e ex-secretário nacional de Segurança Pública. É autor, entre outros, de O Brasil e seu duplo (Todavia, 2019).
O homem do sapato branco : A vida do inventor do mundo cão na televisão brasileira
Mauricio Stycer
A história do criador de um subgênero do telejornalismo policial no Brasil, O Homem do sapato branco fala sobre furtos, assaltos, homicídios e agressões. Entranhas expostas, acidentes e doenças. Rituais religiosos, transes e curandeiros. Sexo e drogas nas esquinas, adultério, incesto e crimes passionais. Hoje, temos como dado que esses elementos espetaculares da miséria humana são fonte quase inesgotável de entretenimento e de interesse nos vários meios audiovisuais.
No entanto, quando Jacinto Figueira Júnior (1927-2005) percebeu o apelo do chamado “mundo cão”, a televisão no Brasil ainda engatinhava; era um meio à procura de seus conteúdos. Com o acerto de O Homem do Sapato Branco, programa que estreou em 1965, Jacinto Figueira Júnior foi ao mesmo tempo um dos pioneiros e um dos responsáveis pela introdução desses temas na TV brasileira.
Crítico de televisão com larga experiência na imprensa, Mauricio Stycertraça um perfil biográfico de Jacinto, um paulistano do Pari que sonhou em sercantor popular, mas acabou cunhando um subgênero do telejornalismo policial. O criador acabou se confundindo com sua criatura. De título, a descrição de uma única peça de vestuário identificadora, bem ao gosto policial, tornou-se marca estética, alcunha e persona. Nas pesquisas realizadas para a elaboração deste livro, Stycer se deparou com documentos inéditos que revelam a perseguição da Censura e dos órgãos de Segurança Nacional. Não sem um grão de humor, o autor também traz detalhes dos procedimentos pouco ortodoxos empregados na produção das cenas que expunham os crimes e castigos.
O livro-reportagem de Mauricio Stycer vai além do esforço de preencher as lacunas biográficas desse personagem controverso. O sensacionalismo de viés profundamente moralista que o Homem do Sapato Branco inaugurou na televisão brasileira ainda nos anos 1960 voltou com força no final da década seguinte, inclusive com seu pioneiro. Mauricio Stycer nasceu no Rio de Janeiro em 1961. Colunista da Folha de S.Paulo, é autor dos livros Adeus, controle remoto (Arquipélago, 2016), História do Lance! (Alameda, 2009) e O dia em que me tornei botafoguense (Panda Books, 2011). Pela Todavia, lançou Topa tudo por dinheiro (2018).
Os funcionários
Olga Ravn
Uma viagem distópica e perturbadora que se transforma em um pesadelo existencial é a história de Os funcionários. Em um futuro distante, a milhões de quilômetros da Terra, humanos e humanoides viajam a bordo da nave seis mil. Sua tarefa é explorar Nova Descoberta, um planeta
aparentemente árido e sem atrativos. As seguidas incursões pelos vales e penhascos do lugar, no entanto, acabam revelando objetos estranhos, logo transportados para o interior da nave e acondicionados em salas especiais.
Com a chegada desses artefatos, envoltos de incompreensão e mistério, a convivência na nave seis mil entra rapidamente em uma espiral de degradação. Os tripulantes seguem executando as atribuições rotineiras — vigiam, examinam, exploram —, mas uma forma de vínculo estreito que todos passam a sentir pelos objetos dá vazão a reações inexplicáveis: paranoias, memórias de vidas não vividas, desejos eróticos e pensamentos obsessivos — ou mesmo psicóticos.
Estruturado como uma série de depoimentos compilados por uma comissão investigativa, Os funcionários narra os eventos ocorridos na nave após a descoberta dos objetos. Por meio de relatos fragmentários, acompanhamos a inquietação crescente dos trabalhadores, que começam a enxergar suas funções a partir de uma nova — e radical — perspectiva. À medida que a convivência, mesmo em relação aos superiores, vai adquirindo ares sombrios e se tornando insustentável, cada um dos tripulantes é levado a questionar se o processo que os une pode continuar sendo o mesmo.
Neste livro celebrado pela crítica, a dinamarquesa Olga Ravn ultrapassa os limites da ficção científica para refletir sobre controle e exploração, sistemas de trabalho e relações sociais, e ainda investigar os papéis de gênero e a condição humana diante de avanços tecnológicos. Com uma prosa a um só tempo satírica e apavorante, Os funcionários nos leva às mesmas perguntas que atormentam os tripulantes da nave seis mil: fomos feitos para o trabalho e nada mais? Em um mundo assim, o que significa estar vivo?
Olga Ravn nasceu em Copenhague, em 1986. Tradutora, crítica literária, poeta e romancista, estreou na literatura com Celestine, em 2015. Com Os funcionários, foi finalista do International Booker Prize e do Ursula K. Le Guin Prize.
A guerra invisível de Oswald de Andrade
Mariano Marovatto
Com um olhar curioso e aguçado, este ensaio-reportagem apresenta episódios pouco conhecidos da vida de Oswald de Andrade, um dos maiores ícones da cultura brasileira. De volta de um giro europeu em 1939, no sufoco aflitivo do começo da Segunda Guerra, Oswald de Andrade contou que planejava publicar, “o mais breve possível”, um livro que se chamaria A guerra invisível. Disse ao interlocutor, o repórter Joel
Silveira, que já reunia “notas, páginas prontas, observações interessantíssimas”. Tal obra jamais se concretizou.
Uma alternativa àquele projeto, Mariano Marovatto nos propõe esta obra singular, de mesmo título, em que segue os passos do gênio da vanguarda brasileira durante um ano de sua vida, visto até aqui como de hiato produtivo. O resultado é um volume tão perspicaz quanto abrangente, em que lemos as ideias, os encontros, os afetos e as brigas do intelectual brasileiro sob um painel artístico e político
internacional. Tratava-se de um ano intenso não só para o modernista, como para o mundo.
Ao percorrer estas páginas, encontramos desde antecedentes, como as origens do “Manifesto Antropófago” e o relacionamento com Patrícia Galvão, até os bastidores do Partido Comunista e do Estado Novo, a ascensão do rádio, do jogador Leônidas da Silva e de Hitler; até chegarmos à morte de Mário de Andrade, o fim do casamento com Julieta Barbara, o rompimento com o amigo e defensor Jorge Amado e os primeiros trechos publicados na imprensa da obra-prima Marco zero.
Naquele ano de 1939, Oswald colaborou no polêmico jornal Meio-Dia, doRio, e na publicação O Diabo, de Lisboa. Marovatto Imiscuiu-se na famosa roda literária da Livraria José Olympio. Viajou até Estocolmo para um evento frustrado do Pen Clube, onde cruzaria com H. G. Wells, Jules Romains e Thomas Mann. Sem abandonar a intuição, a rebeldia e o humor boêmio, Oswald pensou como poucos a arte e a cultura, enquanto colecionava confusões que lhe renderam a imagem de grã-fino banal inconsequente.
Ao recuperar a originalidade da obra e a trajetória oswaldiana, Marovatto faz uma combinação talentosa de ensaio, perfil biográfico e reconstituição histórica, percorrendo não apenas os arquivos do personagem, como uma bibliografia multidisciplinar. Uma contribuição muitíssimo bem-vinda à melhor não ficção literária contemporânea.
Mariano Marovatto nasceu em 1982, no Rio de Janeiro. É escritor, cantor e compositor. Publicou Casa (poemas) e As quatro estações (ensaio), entre outros livros.