Quem matou meu pai e Lutas e metamorfoses de uma mulher
Édouard Louis
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Em julho a Editora Todavia apresenta dois novos livros do francês Édouard Louis: Lutas e metamorfoses de uma mulher e Quem matou meu pai.
Lutas e metamorfoses de uma mulher é a continuação de um projeto autobiográfico planejado, no qual o autor conta a história de libertação da mãe, “que lutava pelo direito de ser mulher contra a não existência que lhe impunham”. Através de uma foto, traçando a arqueologia de sua mãe, ele descobre uma mulher que sobreviveu àquilo que deveria tê-la destroçado. Depois de encontrar uma foto da mãe ainda jovem, com uma alegria transbordante estampada no rosto, o autor se pergunta como aquilo algum dia pôde acontecer, já que a vida dela sempre lhe parecera um quadro triste e sombrio.
Através dessa foto, traçando a arqueologia da destruição da mãe, ele descobre uma mulher vigorosa que sobreviveu àquilo que deveria tê-la destroçado. É só aos 45 anos, quando decide abandonar o segundo marido — “Pronto. Eu consegui” —, que ela enfim pode se declarar livre. Mas este livro não é apenas um retrato sobre a crueldade do sistema que governa nossas vidas. À medida que conhecemos as transformações da mãe — e, com elas, as do filho —, somos apresentados à possibilidade heroica de escapar de um mundo dominado por homens, um mundo de lutas aparentemente sem esperanças, porém sujeito às mais extraordinárias metamorfoses.
Já Quem matou meu pai é uma narrativa breve e dilacerante, que reflete sobre a relação do autor com o pai, fraturada pela indiferença, pela vergonha e pelo conflito. “Não tenho medo de me repetir, porque o que escrevo, o que eu digo, não atende às exigências da literatura, mas às da necessidade e da urgência, às do fogo”, é o que diz Louis. Esse é o tom de manifesto inadiável que percorreu a obra e se faz sentir na figura do pai doente e moribundo, que o narrador visita para prestar ajuda mas, acima de tudo, em busca de reconciliação.
As lembranças dos tempos em que a família vivia na pequena cidade de interior, marcadas pela frieza do pai homofóbico e autoritário, aos poucos vão se transformando em acusações à classe política, numa crítica direta às formas de opressão, à imobilidade e à desigualdade social. Os comportamentos do pai, compreende Louis, foram gestados a partir de uma ignorância induzida pela realidade em que cresceu, e por isso os poderosos que ditam as políticas de seu país — aqui nomeados e recriminados sem meias-palavras — seriam os verdadeiros responsáveis pelo suplício da classe marginalizada a que pertence sua família.
Édouard Louis nasceu em Hallencourt (França), em 1992. Estreou na literatura com O fim de Eddy (2014). Dele, a Todavia publica também Lutas e metamorfoses de uma mulher (2023).
Onde pastam os minotauros
Joca Reiners Terron
Em um matadouro isolado no interior seco e embrutecido do Centro-Oeste brasileiro, três abatedores e uma secretária armam um crime para tentar conquistar a liberdade numa existência possível marcada por crueldade e injustiça. O livro dá sequência aos romances anteriores de Joca Reiners Terron, nos quais o diagnóstico selvagem da realidade social se expressa por meio de uma fabulação alucinante. Mitologia, poesia e tragédias recentes do país surgem numa trama cheia de suspense, narrada quase minuto a minuto no transcorrer de um dia, mas também pontuada por visões do passado recente e longínquo, como fragmentos de sonho compondo um único e grande pesadelo.
Ambientado em um Mato Grosso a um só tempo imaginário e perturbadoramente próximo da realidade, no qual a poeira “tem a mesma cor do
sangue coagulado”, Onde pastam os minotauros dá sequência aos romances anteriores de Joca Reiners Terron, nos quais a diagnose selvagem da realidade social se expressa por meio de uma fabulação alucinante. Mitologia, poesia e tragédias recentes do país surgem numa trama cheia de suspense, narrada quase minuto a minuto no transcorrer de um dia, mas também pontuada por visões do passado recente e longínquo, como fragmentos de sonho compondo um único e grande pesadelo.
Povoado por figuras reconhecíveis do noticiário e por minotauros e espectros de várias estirpes, este romance é um misto de thriller e alegoria centrado na revolta de alguns oprimidos contra a tirania do capital e o desastre civilizatório. Ao mesmo tempo, é uma reflexão visceral sobre a cegueira que nos faz matar o ambiente, os outros animais e, de novo e de novo, uns aos outros.
Joca Reiners Terron nasceu em Cuiabá, em 1968. Publicou, entre outros, Do fundo do poço se vê a lua (Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional, 2010), Noite dentro da noite (2017), A morte e o meteoro (2019) e O riso dos ratos (2021), os dois últimos pela Todavia. Atualmente vive em São Paulo.
O seu terrível abraço
Tiago Ferro
O protagonista de O seu terrível abraço é um escritor e intelectual paulistano branco, de classe média e sujeito às contingências de sua origem. Sua infância foi como todas as outras para as pessoas de seu mesmo estrato social: escola e clube, condomínio e praia. As primeiras experiências com sexo, drogas e a consciência do abismo entre classes em um país como o Brasil, tudo isso fez parte de sua formação, juntamente com os livros, o cinema e a música popular. Neste romance agudo sobre escolhas, fatalidades e falta de direção, Tiago Ferro exercita uma veia ficcional que mistura, em doses iguais de inconformismo e despudor, o romance e o ensaio, a fabulação e o comentário político, a meditação pessoal e a escatologia.
O protagonista de O seu terrível abraço é um escritor e intelectual paulistano, branco, de classe média, sujeito às contingências (e sobretudo aos privilégios) de sua origem. Aos quarenta anos, porém, ele descobre ter uma doença terminal. E o Brasil também parece estar muito pouco saudável política e socialmente: mergulhado num regime autoritário, em que livros são banidos e as liberdades individuais estão constantemente ameaçadas, num momento em que as diferenças entre classes só aumentam e a pobreza e o desalento da população parecem tocar o fundo do poço.
A consciência da finitude arrasta o protagonista para uma torrente de memórias formativas. E descortina diante de seus olhos a mais incômoda das verdades: ele, como toda sua geração, teve à sua disposição todas as opções do mundo para florescer. Agora, porém, só lhe resta torcer para ter um fim um pouco menos horrendo.
Tiago Ferro nasceu em São Paulo, em 1976. Editor, é um dos fundadores da plataforma de publicações independentes e-galáxia e da revista de ensaios Peixe-elétrico. Ensaísta e ficcionista, é autor de O pai da menina morta (Todavia), romance distinguido pelos prêmios São Paulo e Jabuti, e publicado em Portugal, na Argentina e na Colômbia.
Exploração
Gabriela Wiener
A morte do pai e os fantasmas do passado marcam esta exploração vivida sobre o amor, o desejo e o racismo na América Latina. Este livro é conflagrado por questões que remontam à história e se intensificam nos movimentos incertos do desejo e do afeto. Gabriela Wiener une jornalismo e ensaio para insurgir-se contra o jugo colonial de territórios, imaginário e tesão. A autora define o ensaio pessoal, gênero que honra na altura de uma Vivian Gornick, como “o sofrido artesanato do eu”. Não se poderia encontrar a melhor definição do exercício que resulta nestas páginas espantosas.
Há mais dúvidas do que certezas sobre a seriedade científica da viagem de Charles Wiener, tão cara a europeus do século XIX. É fato que, em território peruano, ele falhou ao localizar o caminho para Machu Picchu. Logrou, no entanto, levar à França uma significativa pilhagem de tesouros arqueológicos. No Peru deixou um filho, origem do ramo familiar que a autora percorre, enquanto vive o luto pela perda do pai.
Militante de esquerda, jornalista combativo, Raúl Wiener foi libertário na teoria e, na práxis, conservador. A partir de um celular, de e-mails, telefonemas e encontros, Gabriela reconstitui o casamento paralelo do pai, modelo o mais distante imaginável da família que ela estabeleceu com um homem, uma mulher e dois filhos — união que aqui ela examina entre sobressaltos de libertação e posse, aventura e rotina.
No cruzamento dessas narrativas, patriarcado não é conceito, mas acachapante concretude. Dureza que se manifesta nos cotidianos episódios de racismo em Madri, onde ela vive, e também nas filigranas do relacionamento com Jaime e Rocío: “Quero extirpar de mim o patriarca que me habita e parar com o ciúme obsessivo da minha namorada espanhola.” As soluções não vêm prontas, como anota com justa ironia: “Não sou branca, não vou fazer uma oficina de cerâmica.”
Gabriela Wiener nasceu em 1975, em Lima, no Peru. É escritora, poeta, jornalista e ensaísta, sendo considerada um dos grandes nomes da atual produção latino-americana. Escreveu diversos livros, dentre eles Sexografias, Nueve lunas e Llamada perdida. Vive na Espanha.
As últimas crianças de Tóquio
Yoko Tawada
Em um futuro próximo, onde os idosos vivem quase para sempre e o resto das pessoas morre ainda jovem, um homem luta para manter vivo seu querido bisneto. Yoshirô já completou seus oitenta anos, mas todas as manhãs, muito cedo, ainda vai correr no parque com um cachorro de aluguel. Ele é um dos muitos idosos no Japão e pode, imagina, viver para sempre.
A vida para Yoshirô não é tão simples quanto costumava ser. Poluição e desastres naturais marcam a face da Terra, e mesmo alimentos até então comuns são difíceis de encontrar. Quanto ao Japão, o país se isolou do resto do mundo. Os únicos seres vivos selvagens que restam são aranhas e corvos. A linguagem também começou lentamente a desaparecer. A vida útil das palavras parece ter diminuído: elas saem de moda depressa e não são substituídas. Os homens agora passam pela menopausa. As crianças ficam tão debilitadas que os pediatras, tomados de desalento e exaustão, começam a se matar.
Ainda assim, a única preocupação real de Yoshirô é o futuro de seu bisneto Mumei, que, como outras crianças de sua geração, nasceu frágil e grisalho, muito velho antes de sequer experimentar a juventude. À medida que a vida cotidiana em Tóquio fica mais e mais difícil, uma organização secreta começa um plano audacioso para encontrar a cura para as crianças japonesas — e será que o bisneto de Yoshirô pode ser a chave? Este romance conta uma história onírica de esperança cintilante em meio ao apocalipse do mundo natural. Uma distopia em que o amor familiar pode vencer a devastação da humanidade, trazendo um vislumbre delicado do nosso futuro, escrito por uma das autoras contemporâneas mais celebradas do Japão.
Yoko Tawada, de quem a Todavia já publicou Memórias de um urso-polar, nasceu em Tóquio, em 1960, mudou-se para Hamburgo, na Alemanha, aos 22 anos, e hoje vive em Berlim. Escrevendo em japonês e alemão, publicou diversos livros — romances, poemas, peças teatrais e ensaios. Recebeu distinções importantes, como o Prêmio Akutagawa, o Prêmio Adelbert von Chamisso, o Prêmio Tanizaki, o Prêmio Kleist e a Medalha Goethe.
Últimos contos
Anton Tchékhov
Poucos escritores são tão influentes quanto o russo Anton Tchékhov (1860-1904) quando se fala em ficção curta. Seus contos, escritos ao longo de uma das mais fecundas carreiras da literatura universal, influenciaram diversas correntes da literatura modernista (basta pensar em autores como Katherine Mansfield, Raymond Carver e Clarice Lispector), chegando até a produção contemporânea — como o argentino Ricardo Piglia, que desenvolveu toda uma teoria do conto em grande parte inspirada na construção das histórias de Tchékhov.
Escritas num estilo límpido e aparentemente versando sobre eventos muito pouco espetaculares, as histórias de Tchékhov são um prodígio de condensação, penetração psicológica e apresentação do caldeirão social da Rússia do seu tempo, ainda estratificada entre nobres, burgueses que pressionavam a velha ordem e servos. Seus personagens, mesmo que retratando com muita argúcia os diversos tipos daquele país e de sua época (a segunda metade do século XIX), chegam até nós justamente porque parecem de carne e osso, e não apenas figuras construídas para exemplificar situações corriqueiras daquela era.
O conjunto aqui traduzido por Rubens Figueiredo traz alguns dos contos mais célebres de Anton Tchékhov (1860-1904), como “A dama do cachorrinho”, “Um caso médico” e “A noiva”, entre outros exemplos dessa produção dos anos finais do escritor. É o testamento — ainda vivo na arte da melhor ficção breve — de um dos autores fundamentais da literatura mundial.
Anton Tchékhov nasceu em 1860 em Taganrog, um porto no Mar de Azov, na Rússia. Após receber uma educação clássica em sua cidade natal, mudou-se para Moscou em 1879 para estudar medicina, diplomando-se em 1884. Ainda nos tempos de faculdade conseguiu sustentar sua família graças a histórias humorísticas, contos e esquetes publicados com enorme sucesso em diversas revistas e jornais. Estreou em livro em 1886, e no ano seguinte já receberia o prêmio Púchkin pelo seu segundo livro. Suas histórias mais famosas foram escritas depois que retornou da temerária viagem à ilha de Sacalina. A montagem por Stanislávski de sua peça A gaivota, de 1898, consolidou sua fama no teatro, gênero
em que deixou alguns dos mais importantes textos da história, como Tio Vânia, Três irmãs e O jardim das cerejeiras. Com a saúde debilitada após contrair tuberculose, mudou-se para Ialta, onde entrou em contato com Tolstói e Górki, e seria nesta cidade na costa do Mar Negro que passaria o resto de seus dias. Em 1901 casou-se com Olga Knipper, atriz do Teatro Artístico de Moscou. Morreu em 1904.