Everton Leite, 29 anos, natural de Curitiba, é artista visual, educador, editor e ilustrador. Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pelotas (2023) e graduado em Licenciatura em Artes Visuais pela Faculdade de Artes do Paraná (2016), entre suas últimas produções destacam-se as exposições individuais “Coleção à brasileira: uma visita à coleção da colecionadora-diarista” (2022-2023), no Museu Paranaense em Curitiba (PR), “Começa casa adentro” (2021-2022), curadoria de Renan Archer, no Centro de Cultura Henrique Ordovás Filho em Caxias do Sul (RS) e as exposições coletivas “Conexão V” (2023), no Museu Municipal de Arte em Curitiba, e “Não estamos tristes”, na galeria Edmundo Rodrigues, em Bagé (RS).
Ao longo dos últimos anos, vem debruçando seu trabalho enquanto artista visual em algumas características prementes de relações afetivas. Através de seu acervo – material e emocional – repensa as estruturas diletivas que permeiam sua trajetória e a dos que ao seu lado estão. A instituição familiar, por exemplo, é um elemento que constantemente aparece, ora tendo arbitrariedades apontadas, ora com direito à felizes odes. O diálogo com tais sujeitos vem na elaboração das imagens que expressem essa intimidade ou não, que se resolvem em outras imagens, assemblages, objetos.
• Clique aqui agora e receba todas as principais notícias do Diário de Curitiba no seu WhatsApp!
A fotografia pode ser lida como documento histórico, como mídia em constante mudança, de suportes, de funcionalidades. O dispositivo fotográfico pode estar inclusive comprometido em questionar todas as utilidades anteriores. Desde o seu surgimento, no fim do século XX, já servia de base para registrar núcleos familiares, datas importantes e validar hierarquias. No final do século XXI, o aparelho tirador de fotos já caía nas mãos dos cidadãos brasileiros e começava a confessar uma profusão de momentos íntimos, ajudando a vasculhar com força tal paisagem doméstica. Entre quartos, cozinhas, banheiros e quintais, panos de prato e roupas de cama, roupas da moda, outros eletrônicos, revelam-se entranhas relacionais, aquelas que foram negativadas do flash prevalecente.
Na obra de Everton acontecem manipulações de alguns dos significados localizados nessa iconografia. A partir do lido com seu arquivo de recordações, tais imagens são tratadas com predileções, na subjetividade do memorando. As fotografias são retrabalhadas, repensadas, adquirem outros pesos, tomam outras formas. As fotos lá estão, mas o que representam? Quais os relatos por trás do que apresentam? Que ativações sensíveis geram? Que similaridades possuem com quem as mostra, mas o quanto desvelam de nós? Afinal, por quê nos apegamos às memórias?
Na reforma de um material pessoal existente, as fotos são anuladas em parte para dar faceta a outras construções de memória, no alocamento de bloquinhos de madeira simulando edificações domésticas, onde cubos de tijolos aparentes, telhados, relógios, pontes e muros se sobrepõem frente às fotografias, como no trabalho “Conjunto Habitacional” (2021). Tais apegos são herança sentimental e cenário cotidiano de um sentir do dia após dia, do tempo ali passante, criador de intimidades. Faz castelos na longínqua reminiscência, ergue torres que avistam pequeninas lembranças, cria pontes, links para acessar lugares sensíveis, encontra lares.
Já na série “Bodas de Prata” (2020-2021), entre fotografias alteradas digitalmente e blocos disformes de gesso, as suaves cores pastéis mesclam-se com fotografias deverasmente deletadas – como quando rasgamos ou rabiscamos parte do registro querendo apagar determinada lembrança que nele consta -, fazendo um mapa visual afetuoso. Embora de início seja aprazível plasticamente, com toques soft de água e açúcar, outras horas a glitch art nos evoca erros de programação relacional em uma fotografia analógica, tornando aquele registro não mais que um vestígio do que um dia já foi algo. Ou até a interrupção por um reboco de parede incisivo, passado por cima de fotos de casamentos, de relações românticas, da prometida união de pares do duradouro amor.
Na recorrência de uma felicidade perdida, ao olhar tais obras, chega até nós uma sensação boa, aconchegante, mas também nostálgica, um tanto distante. Tempos aqueles que não voltam mais. Lembranças que lá ficaram. Quem fica, fica com a memória que restou, o sentimento que de alguma forma durou, mas modificou. A incisão nas imagens dá o tom do que elas podem representar, a afeição ou não dos momentos que aqui permaneceram, no presente. Interrompe-se a leitura habitual daquela fotografia parar criar um novo memento.
O artista, ao interferir em seu arsenal sentimental, faz com que as memórias atinjam patamares outros, desde o momento que são colocadas em exibição e confessadas para um público espectador, até quando são remodeladas para dar origem a um trabalho poético. A partir dessa nova coleção afeto-memorável, não exatamente plasticamente precisa em seus apontamentos de eras pregressas, mas assertiva pelas investigações pessoais, Everton dispõe seus mapas enternecidos em nossa frente, meio misteriosos, meio confessionais. Momentos felizes ou não felizes, ternuras e asperezas, lembrar e esquecer, aparecer e ausentar.
_______________________________________________________________
Everton Leite também integra o coletivo “Bonekin”, que participou das duas últimas edições da feira gráfica “Estopim”, na Alfaiataria. Entre suas próximas realizações, consta a participação na coletiva “Um século”, a acontecer em 2023, no espaço Xow Rumi no Rio de Janeiro (RJ).