Jornalistas ouvidos nesta terça-feira (16) pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados acusaram o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes de censura ao solicitar o bloqueio de contas na rede social X (antigo Twitter).
Um deles foi o jornalista norte-americano Michael Shellenberger, responsável por divulgar, no início do mês, um compilado de e-mails trocados por funcionários da plataforma X a respeito de decisões judiciais brasileiras que envolviam a rede social e investigações ao longo do período de 2020 a 2022. O caso ficou conhecido como Twitter Files Brasil. Para o jornalista, Moraes quer censurar seus inimigos políticos.
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Shellenberger defendeu a liberdade de expressão de forma ampla – por exemplo, o direito de nazistas e fascistas defenderem suas ideias. “A gente quer debater e vencer as ideias ruins deles”, disse. Nos Estados Unidos, a liberdade de expressão é um direito absoluto, enquanto no Brasil há restrições, como no caso da apologia ao nazismo e ao racismo.
O jornalista norte-americano Glenn Greenwald, colunista do jornal Folha de S. Paulo e fundador do site The Intercept, acredita que Moraes agiu sem base legal ao exigir a remoção de postagens e o banimento de contas, inclusive de parlamentares. Segundo ele, as pessoas não receberam aviso prévio do banimento nem explicações dos motivos. Greenwald acrescentou que essas ordens de banimento foram sigilosas e sem o devido processo legal.
O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), que pediu a audiência, destacou que foi um dos parlamentares alvo de pedidos de remoção de conteúdo em processo sigiloso e que vai solicitar o fim do sigilo. Para ele, está em curso “um processo industrial de censura” e de “perseguição covarde contra desafetos” do ministro Alexandre de Moraes. “A censura não pode prevalecer, e a liberdade de expressão tem que ser regra, porque sem liberdade de expressão não há democracia, sem devido processo legal não há democracia”, defendeu van Hattem.
Outro lado
Já o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) lamentou a ausência de contraditório na audiência, já que todos os convidados defenderam o mesmo ponto de vista. Van Hattem observou, por sua vez, que uma convidada indicada por Chinaglia foi convidada mas não compareceu, assim como o representante da plataforma X.
Chinaglia apontou que, de 2012 a 2021, na soma das solicitações de remoção por país recebidas pela plataforma X, o Brasil figura em antepenúltimo da lista. “Portanto, tentar caracterizar que, no Brasil de hoje, e desde 2012, haja uma atitude de censura é um exagero retórico que se transforma em mentira”, avaliou.
O deputado argumentou que, assim como fez com Alexandre de Moraes no Brasil, o dono da rede X promoveu ataques do tipo em outros países. Conforme Chinaglia, a Comissão Europeia abriu processo contra o X por possíveis violações da recente lei de serviços digitais. “A resposta do Musk foi atacar a presidente da comissão, que é eleita por todos os países da Comunidade Europeia”, citou.
Marco Civil da Internet
O deputado Filipe Barros (PL-PR) ressaltou que o Marco Civil da Internet – a lei existente para regular a rede – é muito claro ao estabelecer que, se houver afronta à legislação, deve-se censurar uma publicação específica mediante decisão judicial motivada. “Nós não vimos isso em nenhuma das decisões que vieram a público até agora”, apontou. De acordo com o parlamentar, as decisões são genéricas, visando retirar do ar o perfil de usuários por tempo indeterminado.
Já o deputado Florentino Neto (PT-PI) argumentou que não há censura em curso, porque os processos podem ser contestados no âmbito do Supremo Tribunal Federal. “Não podemos ter uma sociedade baseada em ameaças e mentiras. Temos que estabelecer parâmetros mínimos para a convivência nessas plataformas”, opinou. Ele defendeu a regulamentação das redes sociais, para proteger os usuários contra excessos praticados. “Não vejo razão para termos dificuldades em colocarmos à disposição dos usuários recursos para que eles possam denunciar serviços ilegais da plataforma”, citou.
Direito de mentir
O jornalista Eli Vieira Junior, da Gazeta do Povo, afirmou que em nenhum lugar da legislação brasileira está escrito que é proibido produzir ou propagar fake news, desinformação ou discurso de ódio. “Esses termos são particulares de uma determinada visão política, que, não satisfeita que essas expressões não são tipificadas como crimes, planeja usar o aparato burocrático do País para fazer valer a sua opinião”, afirmou. “É a lei que deve mandar, e não a opinião política em voga no momento”, acrescentou.
Ele acredita que permitir que preconceituosos falem com liberdade não é um endosso ao conteúdo que eles falam e não causam aumento do preconceito e da discriminação. Na visão dele, mentir não deve ser um crime no Brasil, assim como odiar, até que isso culmine em ações danosas concretas, ameaças credíveis ou difamação e calúnia.
Privacidade
Na avaliação do jornalista freelancer David Ágape, por meio do caso “Twitter Files”, o Judiciário brasileiro exige que a plataforma X descumpra a lei e entregue dados de cidadãos, em desconformidade com o Marco Civil da Internet e com a proteção da privacidade garantida em lei. Para ele, a atitude da plataforma de não entregar os dados é correta diante das “demandas ilegais da Justiça brasileira”.
Ele acredita que o combate às fake news está sendo direcionado apenas à direita. Embora os conteúdos de alguns atores de esquerda tenham sido removidos judicialmente, o jornalista alega que, no casos dos atores de direita, muitos perfis foram bloqueados e continuam bloqueados, o que seria censura prévia.
David Ágape criticou ainda o Projeto de Lei 2630/20, conhecido como PL das Fake News, e defendeu o Marco Civil da Internet. Recentemente o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que a proposta não vai ser votada na forma atual, mas que vai criar um grupo de trabalho para debater o texto.