Quase uma semana após o primeiro turno das eleições 2024, resolvi escrever este texto para analisar a surra que a esquerda levou no pleito do ultimo dia 6. Quem olha o resultado com atenção, principalmente em São Paulo, a maior cidade do país, percebe algo desconcertante: a narrativa de um Brasil polarizado não se sustenta. O que existe, na realidade, é um país disputado entre uma direita radical e uma esquerda que tenta, sem muito sucesso, reconectar-se com as bases populares.
Em São Paulo, por exemplo, a diferença entre Guilherme Boulos e Pablo Marçal foi mínima, e o segundo turno está marcado entre Boulos e o atual prefeito, Ricardo Nunes. Um fio de cabelo (e uns votos no partido errado) separou Marçal de uma disputa entre direita e direita. Se uma chuva mais forte tivesse caído em um bairro central, talvez o cenário fosse outro. Boulos venceu na periferia, mas também no centro rico da cidade, o que parece positivo à primeira vista. Mas, para vencer Ricardo Nunes, precisará muito mais do que esse apoio fragmentado.
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A esquerda, de forma geral, não conseguiu entender o que está em jogo. Os eleitores da classe C, aquela São Paulo dos motoristas de Uber, dos entregadores de aplicativo e dos operários, são conservadores em questões morais e querem um governo que lhes dê condições de empreender, crescer, sem amarras. A Locomotiva, uma excelente agência de pesquisas, mostrou que mais de 50% dessa classe quer a preservação da família tradicional e não deseja educação sexual nas escolas. E o que a esquerda oferece? Um discurso que parece cada vez mais distante das reais demandas dessa população.
O problema não está em o eleitor ser “alienado”, como alguns “esquerdistas” ainda gostam de sugerir. Está no fato de que a esquerda não sabe mais como falar com essas pessoas. Não basta mais colocar a culpa na mídia ou no “sistema capitalista”. As pessoas querem resultados concretos, e candidatos como Pablo Marçal — apesar de seus excessos e fake news — entenderam como dialogar com essa frustração. E, vejam só, ele quase chegou lá. O movimento de Marçal, por mais radical que seja, é uma expressão dessa vontade popular que a esquerda deixou de compreender.
Porto Alegre é outro exemplo claro desse problema. Maria do Rosário conseguiu, por muito pouco, levar a eleição ao segundo turno. Mas o desgaste do PT torna sua vitória improvável contra Sebastião Melo, o atual prefeito, mesmo com às enchentes que castigaram a cidade no primeiro semestre.
A situação é ainda mais dramática quando se observa o crescimento da direita em outras regiões. O PL, partido de Jair Bolsonaro, elegeu o prefeito de Maceió no primeiro turno e vai disputar outras capitais nordestinas como Aracaju, João Pessoa e Fortaleza, territórios que costumavam ser bastiões da esquerda.
A verdade é que a direita não só saiu fortalecida destas eleições, mas também se mostrou mais versátil. O PL de Bolsonaro continua competitivo, mas o grande nome do momento é o governador Tarcísio de Freitas. Em São Paulo, Tarcísio abraçou a candidatura de Ricardo Nunes com vigor, enquanto Bolsonaro desapareceu. Se Nunes vencer, Tarcísio se consolida como uma liderança nacional que depende cada vez menos de Bolsonaro para crescer politicamente.
Enquanto isso, a esquerda parece estar à deriva. Sim, o PT elegeu mais prefeituras do que em 2020, mas quase todas em cidades pequenas. Nos grandes centros, a esquerda está sendo superada pela força das redes digitais, onde a direita reina soberana. A capacidade de manipular informações e controlar narrativas é algo que a esquerda ainda não aprendeu a combater.
Este é o ponto crucial: ou a esquerda começa a entender o Brasil real, com suas contradições e demandas, ou continuará sendo atropelada. A derrota eleitoral não aconteceu porque o povo está manipulado ou “enganado”. Aconteceu porque os brasileiros ouviram o que a esquerda tem a dizer — e discordaram.
A esquerda precisa calçar as sandálias da humildade, se reconectar com as ruas, com os trabalhadores que sustentam esse país. E, principalmente, precisa aprender a falar no digital. Porque, até agora, está claro que não sabe.