Cristina Graeml, candidata à prefeitura de Curitiba pelo PMB, tem conquistado atenção ao se posicionar como “liberal na economia e conservadora nos costumes” em sua campanha para o segundo turno das eleições municipais. Com 291 mil votos (31,17%) no primeiro turno, Graeml conseguiu desbancar outros oito candidatos e agora enfrenta Eduardo Pimentel (PSD), que obteve 313 mil votos (33,51%). A disputa está acirrada, e a declaração de Graeml levanta um debate que não é novo, mas que permanece fundamental: é realmente possível sustentar uma visão política que combine liberalismo econômico com conservadorismo nos costumes?
Em um momento em que as ideologias políticas estão cada vez mais diluídas e muitas vezes manipuladas por campanhas digitais voltadas à desinformação, a afirmação de Graeml carece de uma análise mais profunda. E como sou jornalista que busca estudar o autoritarismo e história política, considero necessário desconstruir essa posição, demonstrando as incoerências que permeiam essa combinação.
• Clique aqui agora e receba todas as principais notícias do Diário de Curitiba no seu WhatsApp!
A contradição
Ser liberal na economia significa, essencialmente, acreditar em um mercado livre, com mínima intervenção estatal, onde o indivíduo tem o direito de tomar suas próprias decisões financeiras. A premissa básica do liberalismo econômico, como descrito por Adam Smith e posteriormente por Friedrich Hayek, é que a liberdade individual, quando aplicada ao campo econômico, resulta em prosperidade. O Estado, nesse cenário, deve apenas garantir que as regras do mercado sejam justas, sem interferir diretamente nas escolhas de consumidores e empreendedores.
Por outro lado, o conservadorismo nos costumes defende a manutenção de valores tradicionais, muitas vezes utilizando o Estado como um agente de controle social. Políticas conservadoras geralmente buscam limitar comportamentos individuais considerados “desviantes”, como os direitos reprodutivos das mulheres ou a aceitação de diferentes formas de família. Essa visão coloca o Estado em uma posição central na regulação da moralidade e dos costumes.
Aqui reside a contradição central: como uma candidata pode afirmar que deseja promover a liberdade individual na economia enquanto, ao mesmo tempo, defende a interferência estatal em aspectos fundamentais da vida pessoal? Em um sistema liberal, a liberdade deve ser aplicada de forma universal — seja na economia, nos costumes ou nas liberdades civis. O conservadorismo nos costumes, ao contrário, restringe essas liberdades, muitas vezes reforçando a desigualdade e a discriminação social.
O risco da incoerência
É preciso lembrar que o liberalismo, como teoria, valoriza a autonomia pessoal, tanto no âmbito econômico quanto social. John Stuart Mill, um dos maiores defensores da liberdade individual, afirmava que o papel do Estado deveria ser limitado a impedir danos diretos entre cidadãos, sem interferir nas escolhas de vida que não afetam terceiros. A defesa de Graeml por um Estado mínimo na economia, mas ativo no controle dos costumes, contradiz essa premissa e coloca sua plataforma política em um terreno teórico instável.
Além disso, essa combinação de ideologias pode ser vista como um reflexo da crescente influência do populismo e da desinformação nas democracias modernas. A internet e as redes sociais tornaram-se campos férteis para simplificações exageradas e propostas políticas que, à primeira vista, parecem viáveis, mas que não resistem a uma análise crítica mais profunda. No caso de Cristina Graeml, a adoção dessa postura aparentemente híbrida pode atrair eleitores desiludidos com o sistema político tradicional, mas também pode fomentar um ambiente de desinformação, onde as consequências práticas de tais políticas são ignoradas.
Um perigo para as liberdades individuais
A erosão das democracias no século XXI está, em grande parte, relacionada ao uso de contradições como essas. A promessa de liberdade econômica, aliada a políticas conservadoras, tem sido uma ferramenta eficaz para líderes autoritários em diversas partes do mundo. Em nome da “ordem”, governos impõem limites à liberdade de expressão, ao direito de escolha e à diversidade, enquanto incentivam um mercado supostamente livre. A incoerência entre liberalismo econômico e conservadorismo nos costumes, portanto, é mais do que uma falha teórica: é um prenúncio de políticas que podem minar as liberdades individuais, especialmente em um contexto digital onde a manipulação de informações é amplamente utilizada.
Essa abordagem levanta uma pergunta essencial para o eleitorado curitibano: até que ponto estamos dispostos a aceitar propostas contraditórias em nome de uma promessa vazia de estabilidade? O segundo turno entre Eduardo Pimentel e Cristina Graeml será decisivo para definir os rumos da cidade, e é crucial que o eleitor não se deixe levar por discursos que, embora sedutores, carecem de coesão ideológica. Cabe ao eleitorado curitibano refletir profundamente sobre essas contradições.