No filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, Eunice Paiva diz uma frase que ecoa profundamente: ao ser questionada sobre se não deveríamos focar em “coisas mais importantes” do que revisitar o passado, ela responde categoricamente. “Não. Os autores de crimes da ditadura devem ser identificados e responsabilizados, e as famílias de mortos e desaparecidos, indenizadas.” Essa resposta é a alma do filme, um convite urgente para o Brasil encarar seu passado e entender que justiça e memória são alicerces de um futuro mais justo.
O lançamento e o contexto histórico de Ainda Estou Aqui.
Após o desaparecimento de seu marido, Eunice deixa a vida de dona de casa e se torna uma ativista de direitos humanos. Em 1971, as autoridades prenderam e fizeram desaparecer Rubens Paiva, ex-deputado e arquiteto, acusando-o de comunismo e de ajudar outros perseguidos. Elas negaram a prisão dele — uma mentira que marcou para sempre a vida de Eunice e de seus filhos.
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Atuações e ambientação: o trabalho técnico de Walter Salles.
O filme de Salles é uma jornada de dor e resiliência. Com um trabalho técnico de excelência — roteiro, fotografia e som —, Ainda Estou Aqui transporta o espectador para o ambiente tenso e angustiante daquele período. A construção de cada detalhe, das salas de interrogatório à frieza das celas, faz com que sintamos a pressão e o desespero de Eunice. Em uma das cenas mais impactantes, as autoridades encapuzam Eunice e uma de suas filhas, levando-as para prestar depoimentos logo após a prisão de Rubens. Nesse momento de aflição, Eunice não sabe o que está acontecendo e vê sua vida devastada. Essa situação transmite-se de forma visceral, criando uma experiência que o público não apenas assiste, mas vive. Além disso, a atuação de Fernanda Torres se destaca, pois ela traz à tona a saudade e a ausência de Rubens, sentimentos que carrega impressionantemente em seu corpo e olhar.
Por que o passado precisa ser revisto para construir o futuro?
Ao resgatar essa história, Ainda Estou Aqui nos lembra que o Brasil ainda precisa encarar muitas verdades para superar os traumas e injustiças de seu passado recente. A filósofa Lucia Helena Galvão nos ensina que a memória, objetiva e seletiva em seus critérios, só retém aquilo que foi vivido com corpo e mente em sintonia. Essas lembranças, inscritas nos corpos de centenas de famílias brasileiras, foram por anos negadas e ocultadas, enquanto se construía uma narrativa distorcida sobre os eventos sombrios de nossa história.
O filme faz um chamado ao país: até quando o Brasil vai varrer seu passado para debaixo do tapete? Na voz firme de Eunice, a resposta ecoa: é preciso trazer essas memórias à tona e identificar os responsáveis, para que feridas abertas possam se transformar em cicatrizes e, enfim, a justiça seja alcançada.