Essa semana, também não quero falar de projetos de lei, nem de CPIs, nem do vai-e-vem político institucional. Quero falar de algo mais profundo. Mais corrosivo. E mais urgente: a intolerância.
Recebi de um amigo um vídeo do presidente Lula visitando a fábrica da Nissan. Ele segura um megafone, parabeniza os funcionários pela produção, e é calorosamente aplaudido. Os trabalhadores vibram, tiram fotos, o abraçam. Ninguém grita. Ninguém cospe. Ninguém xinga. Ninguém deseja a morte de ninguém. Só há entusiasmo, respeito, afeto — talvez até admiração.
• Clique aqui agora e receba todas as principais notícias do Diário de Curitiba no seu WhatsApp!
E meu amigo comentou algo que me atravessou: “É cruel o que fizeram com a figura do Lula. Transformaram ele em um monstro”.
Não estamos mais diante de uma disputa política. Estamos diante de um processo cirúrgico de desumanização. O outro não é mais um adversário. É um inimigo. Um demônio. Uma ameaça que precisa ser expurgada — ou, no mínimo, silenciada.
É a política que deixou de ser debate e virou linchamento.
O caso não se restringe a Lula. É fácil encontrar comentários cheios de ódio quando o nome é Bolsonaro. Na última semana, ele precisou passar por uma cirurgia longa e delicada. E o que se viu, nas redes sociais, foi uma enxurrada de piadas mórbidas e desejos de morte. Um canal de humor chegou a escrever: “o intestino de Bolsonaro se adiantou e já está preso”. Dois dias depois, ele quase morreu.
Não há graça nisso. Só o corte frio da desumanização.
E aí me pergunto: como chegamos até aqui?
Como é que um país que já foi famoso por rir de si mesmo agora se alegra com a dor do outro? Quando foi que a raiva se tornou mais popular do que a empatia? Quando foi que a discordância virou permissão para desumanizar?
A resposta não está numa eleição. Está em nós.
Viramos torcidas organizadas. Somos um país de Fla-Flus ideológicos, onde ninguém mais escuta ninguém. Onde a verdade importa menos do que a sensação de estar “do lado certo”. E onde, para mostrar força, muitos escolheram o caminho mais fácil: a violência simbólica — e, às vezes, literal.
É claro que Lula não é santo. É claro que Bolsonaro não é coitado. Mas ambos são pessoas. Ambos têm corpo, têm dor, têm limite. Ambos são maridos, pais, avôs. Ambos merecem o mínimo que qualquer ser humano deveria ter garantido: dignidade.
E nós, enquanto sociedade, estamos falhando nesse ponto.
Não é sobre concordar com A ou com B. É sobre reaprender a ser gente. Porque o que está em jogo não é apenas a civilidade política. É a nossa capacidade de continuar vivendo em comunidade sem nos devorarmos uns aos outros.
Precisamos parar de naturalizar o ódio. Precisamos resgatar a diferença entre crítica e crueldade. Entre indignação e desumanização.
Porque, no fim das contas, todo megafone carrega uma escolha: amplificar o que nos une ou gritar o que nos separa.
E todo bisturi também carrega um simbolismo: pode curar ou pode cortar.
A pergunta é: o que a gente quer fazer com tudo isso?