Hoje é quinta-feira, dia 24 de abril. Três dias se passaram desde a morte do Papa Francisco. E só agora, provocado por um amigo, percebi que não sabia absolutamente nada sobre ele.
Não é força de expressão. Não sabia. Nada. Nenhum fato concreto, nenhum marco relevante, nenhuma imagem vívida na minha memória recente. E isso me inquietou.
Porque ele era um Papa diferente. E o mundo parecia saber disso — menos eu.
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Francisco. O nome já era um sinal. Inspirado em São Francisco de Assis, o santo dos pobres, dos animais, da paz e da simplicidade. Um homem que trocou a nobreza pela pobreza, a guerra pela oração, a ostentação pelo silêncio. Um símbolo da renúncia. Um nome que, para quem conhece o peso dos símbolos dentro da Igreja Católica, era um aviso: esse papado não seria como os outros.
E não foi.
Papa Francisco enfrentou temas que a Igreja historicamente evitou. Falou contra a guerra — a da Ucrânia, a de Gaza, a dos homens contra os próprios irmãos. Criticou com firmeza a desigualdade, defendeu imigrantes rejeitados por muros e discursos xenófobos, acolheu com humanidade a comunidade LGBTQIA+, criou mecanismos de denúncia obrigatória em casos de abuso sexual dentro da Igreja. Lutou, inclusive dentro do Vaticano, contra uma estrutura historicamente resistente à mudança.
Seus críticos o chamavam de progressista, como se isso fosse um insulto. Seus admiradores o viam como um sopro de ar num templo onde, por vezes, faltava oxigênio.
E eu? Eu fui criado na Igreja Católica. Fiz Primeira Comunhão, Crisma, cresci em uma família que frequentava a paróquia, que conhecia padres pelo nome, que carregava terço na bolsa e respeito no coração. Hoje sou evangélico, e sem mágoas. Mas, talvez, com uma barreira invisível que só agora percebo.
Será que minha distância da Igreja Católica se tornou também uma distância emocional de suas lideranças, de seus símbolos, de sua dor?
Fico pensando: quantas pessoas como eu passaram pela morte do Papa com indiferença? Quantos se disseram “neutros” e seguiram como se nada tivesse acontecido? Quantos líderes religiosos ficaram em silêncio — não por convicção, mas por conveniência?
Vi um vídeo do pastor Hermes C. Fernandes — crítico, lúcido, de postura aberta ao diálogo — cobrando o silêncio de figuras como Silas Malafaia e outros líderes evangélicos que, diante da morte do Papa, nada disseram. Os mesmos que rezam por políticos da extrema direita como se fossem ungidos. Os mesmos que distribuem bênçãos e maldições conforme a cartilha ideológica.
E aí me bateu uma pergunta incômoda: será que eu sou, no fundo, um pouco como Silas Malafaia?
Será que a minha tentativa de imparcialidade, de não parecer religioso demais, de manter uma “posição jornalística” distante, virou só uma outra forma de omissão?
O filósofo francês Paul Ricoeur dizia que a memória é um dever ético. Lembrar é reconhecer a existência do outro. Esquecer — ou ignorar — é uma forma de apagá-lo. E talvez, ao não lembrar de Francisco, ao não reconhecer seu legado, eu tenha contribuído para esse apagamento.
Mas ele existiu. E foi gigante.
Talvez seja tarde para aprender sobre ele em vida. Mas ainda é tempo de reconhecê-lo em sua ausência. De ver na fila de fiéis que se despedem não só uma comoção religiosa, mas um lamento humano. De enxergar no Papa morto o Francisco vivo que ainda pode nos inspirar.
E talvez, mais importante que isso: de olhar para dentro e se perguntar por que é tão fácil se esquecer do bem — e tão fácil se lembrar do ódio.