Foi numa terça-feira. Terça-feira, 13 de maio. Virgínia Fonseca, influenciadora, empresária e rosto frequente da mídia pop, chegou sorridente à CPI das Bets. Vestia moletom preto, óculos grandes e segurava um copo Stanley cor-de-rosa. Parecia mais uma transmissão ao vivo do que uma audiência no Senado.
Com um habeas corpus debaixo do braço, foi tratada como uma diva teen. Fez selfie com senador, mandou beijos para a esposa de outro, ouviu declaração de paixão de um terceiro e, ao fim, saiu da sessão dizendo que havia feito novos amigos. Aproveitou o buzz para divulgar uma promoção da própria marca. Tudo certo no Senado dos likes.
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Duas semanas depois, outra terça-feira: 27 de maio. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, compareceu à Comissão de Infraestrutura para falar sobre um tema sério — a criação de áreas de conservação na Margem Equatorial e os impactos disso sobre a exploração de petróleo. Veio a convite. Veio com argumentos. Saiu agredida.
Foi chamada de intransigente, desrespeitada por ser ministra, interrompida, silenciada. Teve o microfone cortado. Ouviu de um senador que a mulher Marina merecia respeito, mas a ministra, não. E saiu dali com a dignidade intacta — mas com a constatação clara de que, para certos homens no poder, autoridade feminina é uma ofensa pessoal.
Num país que tieta uma influenciadora com habeas corpus e humilha uma ministra com Prêmio Goldman, fica difícil levar a sério qualquer discurso sobre meritocracia. Difícil também acreditar em moralismo quando o moralismo se rende a um publi post.
No Senado da performance, a polidez é para a moça do Instagram. A grosseria, para a mulher da floresta.
Marina Silva é reconhecida internacionalmente pela luta ambiental. Foi ministra em dois governos. Candidata à presidência. Sobrevivente da pobreza, da malária, do preconceito. Mas, para alguns senadores, nada disso importa. Querem que ela se “ponha no seu lugar”. E esse lugar, ao que parece, é o da submissão.
Já Virgínia Fonseca, ao ser perguntada sobre contratos com casas de apostas que a remuneravam proporcionalmente às perdas dos seguidores, respondeu como se não soubesse o que “mitigar” significa. Foi tratada como uma adolescente numa prova de ciências. E recebeu tapinhas nas costas como se não estivesse no centro de um escândalo sobre endividamento e publicidade irresponsável.
O contraste é tão gritante que nem precisa de legenda.
Marina representava um tema sensível: meio ambiente, licenciamento, governança. Atravessava um tiroteio político entre a ala ambientalista e o lobby da exploração sem freios. Era pressionada por setores do governo, da oposição e da bancada da motosserra. E, ainda assim, foi lá. Explicou. Foi técnica. Foi clara. Não se curvou.
E, por isso mesmo, foi atacada.
Talvez porque mulher, no Brasil, não pode falar firme. Talvez porque firmeza, quando vem do corpo de uma mulher, seja vista como afronta. Talvez porque respeito, no Senado, esteja condicionado ao número de seguidores.
O filósofo Theodor Adorno dizia que a cultura do entretenimento, quando substitui a cultura do conhecimento, empobrece o senso crítico e pavimenta o caminho para o autoritarismo. E é isso que estamos assistindo: um Senado que se curva ao entretenimento, mas agride o conhecimento.
Enquanto isso, o Brasil afunda em sua própria caricatura: bajula a influenciadora, esnoba a ministra. Tira selfie com a desinformada e corta o microfone da cientista.
Na CPI das Bets, os senadores estavam no camarim. Com Marina Silva, estavam no palanque.
E, no fim, quem saiu ganhando foi Virgínia. Ganhou seguidor. Ganhou simpatia. Ganhou marketing. Marina, como sempre, ganhou ataque. E ganhou o desconforto de nos lembrar que, no Brasil de 2025, autoridade técnica é menos valorizada do que um copo Stanley rosa.
O futuro, se depender deles, será ditado por algoritmo e regulamentado por publi.
Mas, enquanto houver gente como Marina, resistindo com firmeza e ternura, ainda resta um pouco de dignidade na cena.
Mesmo quando cortam o microfone, a voz ecoa.