
Depois de uma versão transmitida online durante a pandemia da Covid, o espetáculo “Solo dos Mares” ganha uma nova montagem para reviver, agora cara a cara com o público, a luta de um dos grandes heróis negros brasileiros, João Cândido. Líder da Revolta da Chibata, o marinheiro inspirou o espetáculo da Companhia Nossa Senhora do Teatro Contemporâneo, que fará inicialmente seis apresentações no teatro Novelas Curitibanas, entre 6 e 15 de junho – sextas, sábados e domingo, com entrada franca. Dirigido por Isidoro Diniz e César de Almeida, traz o ator Elisan Correia num monólogo que denuncia o racismo estrutural ainda enraizado na sociedade.
A partir de junho, terminada a curta temporada no Novelas, a montagem percorrerá 10 comunidades quilombolas espalhadas pelo Paraná, levando sua mensagem para plateias que dificilmente tem acesso a espetáculos teatrais. O projeto foi realizado com recursos do programa de apoio e incentivo à cultura – Fundação Cultural de Curitiba, da Prefeitura Municipal de Curitiba, do Ministério da Cultura e do Governo Federal. Já a itinerância pelos quilombos foi viabilizada pela Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB) e Secretaria de Estado da Cultura do Paraná.
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João Cândido Felisberto foi um dos marinheiros da Marinha de Guerra brasileira que comandou a Revolta da Chibata, em 1910, no Rio de Janeiro. O movimento surgiu como reação contra a utilização de cruéis castigos corporais, salários irrisórios e condições desumanas para o trabalho dos marujos, que eram em sua maioria pretos e viviam sob maus tratos dos oficiais, na maioria brancos. Teve como estopim a sanguinolenta punição de um colega, que recebeu 250 chibatadas.
A partir daí, os revoltosos tomaram quatro navios, e João Cândido controlou o motim e enviou mensagens ao governo federal para reivindicar a abolição do açoite como punição e melhorias nas condições de trabalho. Também conhecido como o Almirante Negro por essa atuação, o filho de ex-escravos foi posteriormente preso e expulso da Marinha, apesar da anistia negociada com os amotinados, e morreu em situação precária, relegado ao esquecimento.
Escrito por Salloma Salomão e Ivone Jovino, criadores e professores conhecidos pela militância em prol da igualdade racial, o espetáculo “Solo dos Mares” parte de inspirações de Cândido e do seu legado, e não exatamente de sua história. No decorrer da dramaturgia, mistura também elementos da religião afro-brasileira e da resistência cultural das pessoas retiradas à força da África para serem escravizados no Brasil, bem como de seus descendentes.
“O texto traz algumas memórias de João Cândido, mas a linha principal são reflexões contemporâneas sobre o racismo estrutural que persiste no Brasil, desde os tempos de colônia até hoje. Podemos definir a peça como um ‘solo manifesto’, no qual serão narradas situações cotidianas que revelam a desigualdade racial”, explica Isidoro Diniz, artista com 45 anos de carreira que desde o início abordou este grave dilema nacional. “Infelizmente, os temas da desigualdade social e do racismo continuam muito atuais, e por isso segue sendo necessário falar deles, expô-los e combatê-los”.
A primeira montagem, que teve estreia em dezembro de 2020, no Teatro Lala Schneider, só foi vista pelo público pela internet. Com o retorno do Prêmio Gralha Azul em 2023, após um hiato entre 2020 e 2022, foi eleita como uma das melhores peças online do período pandêmico. A encenação que estreia agora, contudo, é considerada pela companhia como uma nova peça, com reflexões mais maduras e a contribuição do novo protagonista. Elisan Correia, aliás, trabalhou recentemente com Diniz e Cesar Almeida num dos grandes sucessos recentes dos palcos paranaenses, “O Bom Crioulo”, baseada no clássico da literatura brasileira que também aborda o racismo.
O espetáculo também relaciona a luta de João Cândido com muitos nomes de pessoas pretas que, superando preconceitos e desigualdades, construíram belas histórias na cultura paranaense e brasileira, como Odelair Rodrigues, Geyisa Costa, Lápis e o próprio Isidoro Diniz.
Quilombos
O roteiro das apresentações nas comunidades Solo dos Mares nos Quilombos inicia em 18 de junho, em Adrianópolis, na Comunidade Remanescentes de Quilombo João Surá. Depois passa por: Barra do Turvo (dia 21/6, na Comunidade Remanescentes de Quilombo Campina dos Morenos), Piraí do Sul (27/6 – Comunidade Remanescente de Quilombo Família Xavier), Ponta Grossa (28/6 – Comunidade Remanescente de Quilombo de Sútil, e dia 29/6 – Comunidade Remanescente de Quilombo de Santa Cruz), Campo Largo (24/7 – Comunidade Remanescente de Quilombo Palmital dos Pretos), Lapa (24/6 – Comunidade Remanescente Quilombo da Restinga e 5/7 – Comunidade Remanescente Quilombo do Feixo), Guaraqueçaba (em data a ser confirmada, Comunidade Remanescente Quilombo Batuva).
“Solo dos Mares”
Quando: dias 6, 7, 8 e 13, 14 e 15 de junho de 2025. Sexta-feira e sábado, às 20h, e nos domingos às 19h.
Local: Teatro Novelas Curitibanas – Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1.222 – São Francisco, Curitiba – PR
Entrada: gratuita, com os ingressos disponíveis na bilheteria uma hora antes do espetáculo.