Na última terça-feira, Jair Messias Bolsonaro sentou-se diante de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, para prestar depoimento sobre o plano golpista que pretendia anular as eleições e instaurar um regime de exceção no Brasil. Não levou cartaz. Não levou Bíblia. Levou discurso treinado, fala mansa e, para espanto dos “patriotas”, até um pedido de desculpas ao magistrado que ele mesmo dizia que “iria prender”.
Mas não foi só o tom conciliador que chamou atenção. Foi o deboche. A tentativa de transformar um interrogatório sobre golpe em stand-up político. Bolsonaro fez piada, riu de si mesmo, chamou Moraes para ser seu vice em 2026 — como se ainda fosse candidato, como se ainda tivesse direitos políticos, como se estivesse num churrasco.
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Negou tudo. Negou a minuta do golpe. Disse que apareceu numa televisão, que nem leu direito, que não tinha cabeçalho nem rodapé. Negou o plano, negou as reuniões com os militares, negou que tivesse ciência de qualquer articulação. Negou até os próprios apoiadores — aqueles que acamparam diante dos quartéis pedindo intervenção militar e AI-5. “Malucos”, ele disse. Literalmente: malucos.
Pior que a traição, só a ironia.
Durante anos, Bolsonaro incitou esses atos. Alimentou delírios autoritários. Plantou desconfiança nas urnas. Deslegitimou as instituições. Incentivou protestos golpistas. E agora, diante do risco real de punição, recua. Lava as mãos. Chama de insanos os que seguiram sua cartilha à risca. E tenta reescrever a própria história como quem apaga um post constrangedor.
Os que o chamavam de mito agora assistem ao bufão. Aquele que prometia enfrentar o sistema, agora pede desculpas ao ministro que tentaram eliminar. Aquele que pregava “ruptura”, agora fala em “desabafo”. Aquele que marchava entre tanques, agora caminha com cautela entre os parágrafos do Código Penal.
O filósofo Albert Camus escreveu que “não ser amado é apenas um contratempo; ser odiado é uma tragédia. Mas ser ridículo… é a morte”. E Bolsonaro, diante do Supremo, flertou com os três. Foi desprezado pelos generais que o abandonaram. É investigado por crimes que ferem a democracia. E, diante dos que o seguiam como um salvador, agora se revela um covarde performático.
Sua fala foi um espetáculo de revisionismo. A minuta golpista virou rascunho jogado no canto. O AI-5 virou ideia de manifestante desinformado. A conspiração, segundo ele, nunca existiu. Se existiu, foi levada por “malucos”. Se não foi, culpa da imprensa. E, se tudo falhar, ele apenas “entubou o resultado das eleições”.
Mas os fatos estão aí. As investigações da Polícia Federal, os depoimentos de Mauro Cid, os registros de encontros, as provas digitais. E há um silêncio que pesa: o das milhares de pessoas que foram às ruas por ele, que brigaram com parentes por ele, que foram presas por ele. Agora, abandonadas com um adjetivo e uma gargalhada.
É o velho roteiro dos autoritários que se julgam intocáveis, até descobrirem que o Estado Democrático de Direito — com todas as suas imperfeições — é maior que qualquer culto à personalidade.
O Brasil viu essa cena antes. Líderes que incitam e depois recuam. Que inflamam e depois negam. Que gritam na praça, mas sussurram no tribunal.
A diferença, agora, é que o bufão foi desmascarado diante do próprio palco. E o público, cansado da farsa, talvez esteja começando a entender: entre o mito e a mentira, há uma linha fina. E ela é feita de riso frouxo, covardia estratégica e traição calculada.
No fim, Bolsonaro não caiu por ter falado demais. Caiu por, diante de Moraes, não ter tido mais nada a dizer — além de “me desculpe”.
E que os “malucos” escutem bem. O mito não te salvará.