Flávio Bolsonaro, senador, filho e herdeiro político do patriarca, subiu a rampa do Congresso com a voz embargada — não de emoção, mas de cálculo. Anunciou o que chamou de “pacote da paz”: um conjunto de medidas que inclui anistia ampla, irrestrita e convenientemente retroativa; o impeachment do ministro Alexandre de Moraes; e a velha PEC do Fim do Foro Privilegiado, ressuscitada como se fosse gesto de nobreza, e não estratégia de sobrevivência.
Paz, aqui, é nome-fantasia. É a capa bonita de uma operação com cheiro de pólvora e sabor de vingança.
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Nos bastidores, o STF decretou prisão domiciliar para Jair Bolsonaro. Não é perseguição: é consequência. A acusação? Tentar invalidar as eleições, insuflar golpe, conspirar com o exterior. A cereja da distopia: ter acionado Donald Trump — sim, ele mesmo, o que agora impõe tarifas de retaliação ao Brasil — para que pressionasse o STF em nome de seu “aliado injustiçado”. A cena é grotesca: um ex-presidente brasileiro pedindo que outro país puna o Brasil por tentar responsabilizá-lo.
E enquanto a imprensa internacional fala em crise diplomática, os bolsonaristas falam em fé. Em salvar a liberdade. Em impedir a ditadura do Judiciário. É a retórica já conhecida: quando são eles no poder, vale tudo — da cloroquina ao AI-5. Quando são eles no banco dos réus, tudo é perseguição. A cada passo da Justiça, uma nova tentativa de golpe sem tanques, mas com telão de LED.
Do lado de fora, manifestantes agitam bandeiras americanas e cartazes de “SOS Trump” como quem não entendeu nem o país onde nasceu, nem o país onde busca socorro. A ignorância, nesse caso, virou projeto. É a “teologia do coitadismo” de extrema-direita: gritar “liberdade” com a boca cheia de ódio, e exigir perdão antes mesmo de confessar os pecados.
E aí entra Nikolas Ferreira. O deputado, youtuber e popstar dos algoritmos da indignação, fez discurso inflamado dizendo que “Alexandre de Moraes não representa ninguém”. Uma frase que soa tão absurda quanto significativa: porque revela a alma do bolsonarismo. Eles não acreditam nas instituições — a menos que as controlem. Não aceitam o resultado das urnas — a menos que vençam. Não respeitam a Constituição — a menos que possam rasgá-la por dentro.
Nikolas diz que fala em nome de “milhões de brasileiros”. Mas os dados do Datafolha mostram que mais de 61% dos eleitores não votariam em candidatos que promovessem o indulto a Bolsonaro. O povo, esse mesmo povo que eles fingem defender, quer justiça. Não teatro. Quer apuração. Não obstrução.
E ainda assim, o show continua.
Eles fazem jejum pela “liberdade” do líder preso, mas nunca jejuaram pela mãe de Marielle, pelo pai do menino Yanomami que morreu de desnutrição, pelo jovem negro preso injustamente. Usam a cruz como escudo, mas ignoram que Cristo foi crucificado por, entre outras coisas, afrontar os poderosos — não por tentar dar golpe.
O pacote da paz é um pacote de impunidade. De blindagem. De chantagem institucional feita em nome da tal independência dos Poderes — que para eles só vale quando o Poder é o deles.
Querem transformar golpismo em narrativa, e narrativa em lei. Querem que a história apague os rastros e que o Judiciário lave as mãos como Pilatos. Mas justiça não se negocia em plenário. E paz não se constrói sem verdade.
Enquanto isso, o país assiste. Parte anestesiada. Parte indignada. Parte ainda seduzida pelo delírio autoritário de um “Messias” de farda suja e discurso messiânico.
Mas há uma maioria silenciosa que não se deixa enganar. Que sabe que pacificar não é esquecer. Que anistiar sem arrependimento é zombar da democracia.
Essa maioria, mesmo que sem megafone, sabe o que está em jogo.
E não vai permitir (ou não deveria permitir) que a paz vire pretexto para empurrar a verdade sob o tapete — junto com a Constituição, a urna eletrônica e os fantasmas do 8 de janeiro.