Ser pai de uma criança autista (na humilde minha opinião) é como estar preso numa montanha-russa que nunca pedi para subir, mas da qual já não saberia viver sem. Ela sobe, desce, chacoalha, vira para um lado, vira para o outro. Há momentos de riso descontrolado e outros de medo puro, quando a curva parece não ter fim. Ainda assim, no fundo da alma, sei que não trocaria esse percurso.
Digo “na minha opinião” porque não quero ser pedante nem falar por todos. Cada pai e mãe tem a sua história. A minha, por vezes, se encharca de melancolia. Não daquela triste e sem saída, mas da melancolia que nos obriga a olhar para dentro. É noite de terça-feira, cortina fechada, uns doze graus lá fora. Dentro de casa, um silêncio quase pesado. E os pensamentos — esses, sim — nada têm de bonitos.
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Penso nas mães. Naquelas que seguram o mundo nas costas quando os pais se retiram da cena. O Brasil conhece essa estatística: mães solos, batalhando pelo pão, pela dignidade e pelo futuro dos filhos. Imagino quantas delas vivem essa luta dobrada, quando o filho é atípico, neuroatípico, quando o cotidiano exige mais paciência, mais força, mais fé. Talvez não haja pesquisa do IBGE sobre isso, mas bastaria andar pelas ruas para constatar a solidão que muitas carregam.
A melancolia, penso, talvez seja o peso de amar num mundo que não facilita. Hannah Arendt dizia que a esperança é revolucionária porque nasce sempre em meio ao escuro. E é isso que me consola: mesmo quando a montanha-russa parece não ter fim, eu não desceria dela jamais.
No meio dessas divagações, o pequeno levanta, olha para mim e diz: “xixi, papai”. Ele sabe ir sozinho, mas gosta que eu o acompanhe até a porta do banheiro, como quem exige testemunha de sua autonomia em construção. Eu sorrio. Esse gesto simples basta para rasgar a noite cinzenta e me devolver um sentido.
De repente, olho pela janela e vejo o gato do vizinho no telhado. O bicho parece um personagem da DC, com a capa invisível esvoaçando, vigilante da madrugada. Talvez seja o Batman, talvez apenas um gato. Mas há algo nessa cena que me ensina: mesmo na escuridão, sempre há sentinelas.
E assim sigo, entre pensamentos desconexos, como quem costura retalhos de melancolia e alegria na mesma colcha. Porque ser pai, afinal, é isso: viver entre o caos e a ternura, entre a noite fria e o calor de uma vozinha chamando “papai”.
É a montanha-russa que não escolhi, mas que me escolheu. E, confesso, não quero descer dela nunca.