O discurso de Lula na ONU foi anunciado como firme, histórico, combativo. E, de fato, teve esses elementos: ele denunciou a fome, criticou genocídios, exaltou a democracia como vitória contra autocratas e apresentou o Brasil como guardião da Amazônia. Até aí, tudo no roteiro da altivez. Mas o que mais chamou atenção não foi o que ele disse, e sim o que preferiu não dizer.
No auge da pior crise diplomática com os Estados Unidos em décadas, após tarifas abusivas de Donald Trump e sanções contra ministros do STF, Lula evitou o confronto direto. Falou em agressão à independência do Judiciário, mas sem citar o agressor. Condenou intervenções unilaterais, mas não nomeou os autores. Atacou interesses escusos na regulação das redes, mas deixou no ar quem manipula a cena. Foi um discurso cheio de indignações, mas cuidadosamente editado para não incomodar quem realmente importa.
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Essa seletividade tem algo de irônico: o Brasil exige clareza e transparência no palco global, mas pratica o silêncio estratégico quando o risco é real. Falar da desigualdade é seguro. Condenar guerras distantes é esperado. Ousado mesmo seria expor o nome de Trump naquele púlpito — e isso Lula não fez. É a coragem que se exerce até a fronteira da conveniência, e dali em diante se converte em prudência.
Nada disso é acaso. Desde sua primeira fala em 2003, Lula repete a mesma fórmula: denunciar desigualdades, exaltar conquistas sociais e se colocar como voz moral do Sul Global. Funciona como narrativa, mas revela um padrão: líderes periféricos que pedem reformas no sistema internacional, enquanto evitam confrontar diretamente as potências de quem dependem. É a tradição da altivez controlada, da indignação seletiva, da retórica que se indigna em abstrato e silencia no concreto.
O risco é que, ao repetir esse roteiro, a ONU se torne um palco de ecos: cada líder falando para sua própria plateia, cada país praticando a liturgia das frases fortes e dos silêncios convenientes. Lula brilhou no ritual, mas reforçou a percepção de que até mesmo as vozes mais altivas do Sul Global ainda falam dentro dos limites que a geopolítica permite.
No fim, o discurso não foi apenas sobre o que Lula pensa do mundo, mas sobre o lugar que o Brasil ainda ocupa nele: altivo o suficiente para denunciar injustiças, cauteloso demais para nomear os culpados. E essa tensão não é só de hoje — é parte da velha tradição de um país que quer ser ouvido, mas ainda não ousa falar tudo o que precisa ser dito.