
A Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) divulgou, nesta semana, a nova versão do documento “Recomendações e Orientações para o Diagnóstico, Investigação e Abordagem Terapêutica do Transtorno do Espectro Autista (TEA)”.
A atualização — aguardada por médicos, terapeutas, famílias e educadores — redefine pontos-chave no cuidado com pessoas autistas no Brasil: diagnóstico precoce, abordagem terapêutica com base científica e orientações éticas sobre relatórios e direitos.
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É um marco técnico e social. O texto abandona velhos paradigmas e estabelece uma nova cartografia do autismo — menos confusa, mais humana e mais fiel à ciência.
Diagnóstico mais precoce e mais preciso
O documento reforça que o diagnóstico do autismo pode ser feito com segurança a partir dos 14 meses, desde que por profissionais capacitados e com base em observação clínica detalhada.
Os sinais de alerta incluem:
- pouco contato visual;
- ausência de balbucio e imitação;
- desinteresse por pessoas;
- movimentos repetitivos.
A SBNI recomenda que pediatras e neurologistas utilizem protocolos como o M-CHAT, disponível no aplicativo Meu SUS Digital.
Mas deixa claro: não é preciso esperar o diagnóstico fechado para iniciar a intervenção — se há suspeita, há tempo a ganhar.
“Cada mês conta”, resume o texto. “A plasticidade cerebral da infância é uma janela que não deve ser desperdiçada.”
Menos exames por rotina, mais por critério
Outro ponto importante é a racionalização dos exames complementares.
A nova diretriz esclarece que ressonância, EEG e testes genéticos não servem para “detectar autismo”, mas para investigar outras condições associadas.
O foco volta a ser o essencial: a história clínica, a escuta dos pais e a observação direta da criança.
Terapias com evidência — e o alerta contra as falsas promessas
O documento reafirma a Análise do Comportamento Aplicada (ABA) como o eixo principal das intervenções baseadas em evidências, junto de terapias de fonoaudiologia, terapia ocupacional com integração sensorial e abordagens naturalísticas como Denver e PRT.
Por outro lado, a SBNI condena expressamente práticas sem comprovação científica, ainda populares em algumas redes e clínicas:
- dietas sem glúten ou sem caseína sem prescrição médica,
- uso de canabidiol (CBD) fora de estudos controlados,
- ozonioterapia, células-tronco, MMS, florais e outros métodos “alternativos”.
“Não há cura para o autismo”, adverte o texto. “E todo tratamento que promete isso caminha fora da ética e da ciência.”
Medicamentos: coadjuvantes, não protagonistas
A diretriz reforça que não existe medicação para “tratar o autismo” — apenas para sintomas associados como irritabilidade, TDAH, ansiedade e distúrbios do sono.
O uso de risperidona, aripiprazol e atomoxetina aparece como possibilidade em contextos específicos, sempre sob supervisão médica.
Mas o documento enfatiza: a medicação nunca substitui a terapia comportamental.
Escola, relatórios e direitos: ética e parceria
A SBNI dedica um capítulo inteiro à relação entre médicos, escolas e planos de saúde, reconhecendo o aumento da judicialização no país.
Entre as novidades:
- Relatórios médicos devem ser objetivos, éticos e atualizados a cada seis meses;
- Planos de saúde são obrigados a cobrir sessões ilimitadas de psicologia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, conforme prescrição;
- Escolas devem oferecer adaptações e, quando necessário, acompanhante especializado — ainda que a regulamentação desse profissional seja incipiente.
A diretriz alerta também para o uso indevido da palavra “urgência” nos relatórios, lembrando que autismo não é emergência médica, embora o início rápido da intervenção seja fundamental.
Cuidar de quem cuida
Mais do que protocolos e tabelas, o documento traz um recado aos pais:
“Observar com carinho, não com medo. Procurar ajuda especializada. Iniciar intervenção cedo. Evitar modismos. Cuidar de si para poder cuidar.”
A SBNI reforça que a família é parte essencial da terapia, e que pais orientados e apoiados influenciam diretamente no desenvolvimento da criança.
Um avanço científico e social
A nova diretriz consolida o Brasil entre os países que seguem práticas baseadas em evidências para o tratamento do autismo, alinhando-se a recomendações da American Academy of Pediatrics e de centros de pesquisa internacionais.
Mais do que um texto técnico, o documento é um pacto de responsabilidade entre ciência, ética e sociedade.
Um passo firme contra a desinformação e em direção a um cuidado mais digno, acessível e humano.
“O que muda não é apenas o diagnóstico”, conclui o texto. “É o modo como olhamos para o autismo — com menos ruído e mais florescimento.”