O texto de hoje é sobre amizade.
E, antes que soe piegas, aviso: é sobre os amigos que me bloquearam.
Sim, bloquearam. No Instagram, no WhatsApp — e talvez até no coração.
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Nessa jornada escrevendo aqui no Diário de Curitiba — e, às vezes, no Diário de Ribeirão Branco, o jornal da cidade que carrego como se fosse uma extensão do meu próprio nome — tenho falado de muita coisa: de fé, de política, de hipocrisias nacionais e afetos particulares. Tenho escrito sobre o que dói, mas também sobre o que vale a pena.
E, nesse caminho, percebi que algumas pessoas preferiram não me ler mais.
Algumas delas eram amigos. De verdade.
Descobri isso por acaso, fazendo o que todo mundo faz de vez em quando: tentando achar alguém no Instagram. Procurei o nome. Não apareceu. Fui ver se tinha saído dos meus seguidores. Nada. Até que percebi — estava bloqueado.
Bloqueado.
Não por fofoca, briga de bar ou dívida antiga.
Mas por opiniões. Por posições diante da corrupção, por críticas à tentativa de golpe, por textos que denunciaram preconceitos e fake news.
Por chamar as coisas pelo nome quando tanta gente escolheu o silêncio confortável.
Em algum ponto da estrada, alguns amigos se radicalizaram.
E, junto com isso, perderam a capacidade de debater, de ouvir, de conversar.
Esqueceram o outro. Esqueceram o afeto.
Fiquei triste.
Não pela perda de seguidores, mas pela perda de humanidade.
Talvez seja isso o que mais me entristece na política de hoje: o modo como ela sequestrou o afeto. Tornou inimigos pessoas que já foram confidentes. Criou trincheiras onde antes havia mesas de bar. Substituiu o abraço pelo “deixar de seguir”.
Mas este texto não é só sobre eles.
É, também, sobre os que ficaram.
Porque, no meio do barulho das decepções, ainda existem os bons amigos — aqueles que continuam de mãos dadas com a gente, mesmo quando discordam.
Os que riem, debatem, trocam ideias, dividem indignações e utopias.
Eu tenho alguns desses.
Alguns aqui em Curitiba, outros espalhados pelo mapa.
E tem um, em especial, que mora longe. No Amapá.
Meu amigo Donizete.
A gente se conhece desde a infância, lá em Ribeirão Branco. Jogávamos futebol, videogame e xadrez — melhor de três, depois melhor de cinco, até virar melhor de vinte, porque ninguém queria perder. Nadávamos nos rios, comíamos milho cozido, polenta feita pela mãe dele e mimos de roça que tinham gosto de eternidade.
O tempo passou, ele foi embora pro Norte, virou servidor público, advogado, mestre em Direito, e hoje pesquisa direitos humanos e combate ao trabalho escravo nas fronteiras.
Um sujeito brilhante, sensato, com quem aprendo cada vez que converso.
E o mais curioso: não pensa como eu.
Em muita coisa, aliás, pensa diferente.
Mas continua do meu lado. Continua meu amigo.
É com ele que discuto pautas, que rio, que desabafo, que peço ajuda jurídica quando preciso — e, principalmente, é com ele que exercito algo que o país parece ter esquecido: a convivência entre diferenças.
Amizade não é acordo político. É pacto de humanidade.
Não é sobre estar do mesmo lado da trincheira, mas sobre continuar se reconhecendo como gente, mesmo quando a trincheira existe.
O tempo e as redes sociais criaram muros invisíveis.
Mas, às vezes, a vida ainda abre portões.
E é por esses portões que passam os amigos verdadeiros — os que não bloqueiam, não cancelam, não exigem cópia ideológica.
Eles ficam.
Ficam nas conversas, nas risadas, nos silêncios cúmplices.
Ficam nas lutas que importam: contra a desigualdade, o racismo, a intolerância, a violência.
Ficam até quando cansam — porque amizade também é cansaço compartilhado.
Por isso, hoje, o texto é uma homenagem a eles.
Aos que ficaram.
Aos que não precisaram concordar comigo pra continuar me amando.
Aos que seguem de mãos dadas — rindo, discutindo, apoiando e, às vezes, até brigando um pouco.
Porque amizade de verdade não é feita de aplausos, mas de presença.
Os outros, os que me bloquearam, talvez um dia desbloqueiem.
E, se isso acontecer, o lugar estará aqui.
Aberto.
Sem senha.
Até lá, sigo com os bons que ficaram.
Porque a vida é generosa com quem não desiste do amor — nem da amizade.