De acordo com o 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em março de 2024, as mulheres receberam, em média, 19,4% a menos que os homens em empresas privadas com 100 ou mais empregados. Em cargos de direção e gerência, a diferença chegou a 25,2%, segundo o mesmo levantamento.
Os dados reforçam que, embora o debate sobre equidade de gênero e diversidade tenha avançado, as desigualdades estruturais persistem — especialmente quando observadas sob a lente de raça e classe social. O relatório mostra que mulheres negras e indígenas continuam sendo as mais impactadas pela diferença de remuneração, tanto na contratação quanto nas oportunidades de promoção.
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Para Keithy Garcia de Oliveira, advogada trabalhista com mais de uma década de atuação na área e Doutora Honoris Causa, a transparência salarial é uma ferramenta essencial para enfrentar o problema. “A transparência não é apenas um mecanismo de compliance, mas um instrumento jurídico e ético. Tornar públicas as informações sobre remuneração permite identificar disparidades que antes eram invisíveis e promove a equidade real nas relações de trabalho”, explica a advogada.
O MTE também evidencia como o recorte racial aprofunda a desigualdade. Homens representam 63% da força de trabalho ativa, sendo 54% negros e 8% não negros, enquanto as mulheres somam 38%, das quais 27% são negras e 11% não negras. Esses números revelam que a interseccionalidade entre gênero e raça continua sendo um desafio central para o mercado de trabalho brasileiro.
“As mulheres negras ainda estão em desvantagem dupla: são minoria nos cargos de liderança e recebem os menores salários médios. Isso demonstra que políticas de equidade precisam ir além da questão de gênero e contemplar também a dimensão racial”, reforça Keithy.
As discrepâncias também variam conforme a função e o nível de escolaridade. Em cargos de nível superior, a diferença salarial tende a ser menor, chegando em alguns casos a 104% da média dos homens. Entretanto, em funções técnicas e operacionais, a diferença se amplia de forma preocupante: técnicas de nível médio recebem apenas 67,1% da remuneração dos homens, segundo o MTE.
Além das desigualdades diretas, o relatório aponta critérios de remuneração e promoção que perpetuam vieses de gênero. Fatores como disponibilidade para viagens, horas extras e tempo de experiência ainda pesam mais contra as mulheres, que continuam acumulando responsabilidades familiares e enfrentando a falta de políticas de apoio à maternidade.
Keithy ressalta que o futuro do trabalho depende de ações estruturais. “A igualdade está prevista na Constituição Federal. Cabe às empresas criar políticas claras de cargos e salários, com critérios objetivos e transparentes, para garantir que o mérito prevaleça sobre qualquer tipo de discriminação indireta”, afirma.
A advogada também destaca o papel das novas legislações, como o Projeto de Lei nº 1149/22, que prevê a divulgação das faixas salariais em anúncios de vagas, e a Lei nº 14.611/2023, que trata da igualdade salarial entre gêneros. “Essas normas representam um avanço importante, pois obrigam as empresas a revisar suas estruturas internas. A transparência força o diálogo e a correção de práticas injustas, transformando o discurso de equidade em ação concreta”, avalia.
O relatório do MTE ainda recomenda medidas práticas, como compartilhamento de responsabilidades familiares entre homens e mulheres, políticas de contratação inclusiva, promoção de mulheres negras e PCDs a cargos de liderança e criação de programas internos de equidade. Além de promover justiça social, essas ações estão diretamente ligadas à estratégia corporativa e à sustentabilidade das empresas.
“Organizações que adotam políticas de equidade têm se destacado pela retenção de talentos, produtividade e reputação positiva. Ambientes diversos e transparentes tendem a ser mais inovadores e sustentáveis, em sintonia com as diretrizes de políticas ESG (Ambiental, Social e Governança)”, pontua.
Keithy conclui ressaltando que o futuro do trabalho depende de ações estruturais.
“A transparência salarial é o primeiro passo, mas a mudança real exige comprometimento contínuo. Garantir igualdade de oportunidades não é apenas cumprir a lei, é promover dignidade, justiça e respeito dentro das relações de trabalho”, afirma.
