Por: Paulo Dalla Stella
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Não há como escrever sobre soft skills e comportamento humano sem citar e analisar movimentos sociais que acompanham e influenciam tais comportamentos na sociedade em geral. A cultura do cancelamento que é um fenômeno atual criado através das mídias sociais, que são por sua vez ferramentas de expressão popular da Internet, faz sua parte ao influenciar por demais a forma como as pessoas veem o mundo e se manifestam nele de maneira geral nos dias de hoje. Usarei como exemplo para ilustrar o quão abrangente se torna esta nova cultura de se “cancelar” ou criticar pesadamente com o intuito de desmoralizar pessoas e instituições que são julgadas popularmente por serem nocivas à sociedade o recente caso que pelos últimos dias ganhou atenção de maneira exagerada na mídia envolvendo um dos apresentadores e donos do maior e mais famoso podcast em atividade hoje no Brasil, o famoso Bruno Monteiro Aiub, o Monark do Podcast Flow, que em infeliz comentário ao vivo em um de seus mais recentes programas, defendeu o direito de serem criados partidos políticos de ideologia nazista no Brasil. Monark foi imediatamente rechaçado por grande parte da população e por influenciadores digitais em geral que “caíram matando” em cima dele que se viu obrigado a negociar saída do projeto de sucesso que ajudou a criar juntamente com seu parceiro Igor Coelho. Deixo claro logo de início que pretendo com este texto discutir sobre o fenômeno do cancelamento em si, que faz parte do que chamo de “ditadura do politicamente correto” e não de ir em defesa de alguma ideologia ou pessoa que, por não saber se comunicar com destreza, já havia mostrado em ocasiões anteriores não ser capaz de aproveitar o poder que tinha em mãos para disseminação de ideias mais produtivas para a sociedade.
Monark não é de forma alguma um nazista nojento, um crápula insensível, estuprador de velhinhas ou comedor de criancinhas como a mídia e pessoas comuns que após seu infeliz comentário nos fazem crer. Qualquer pessoa no mundo sabe que o nazismo foi provavelmente a maior aberração de que temos notícia em nossa história mais recente pois foi responsável pela morte de mais de 50 milhões de pessoas entre 1933 e 1945 e o maior perseguidor não somente de judeus, mas de grupos minoritários como estrangeiros, ciganos, homossexuais ou de qualquer outra etnia ou ideologia que não se enquadrasse no que eles acreditavam ser a raça pura ariana. O nazismo não “cancelava” o nazismo dizimava! Qualquer ser humano pisando na terra e vivendo nesta era atual do politicamente correto entende que a mera citação de apoio ao nazismo pode ser severamente punida por lei e que no mínimo criaria rejeição generalizada por parte da sociedade em que se insere. Monark, apesar de opiniões contrárias, não é também nenhum burro e sabe muito bem disso. O Flow é hoje um programa de extremo sucesso, criado do nada, baseado em uma ideia vinda do exterior e bem aproveitada que se tornou referência e fenômeno de mídia no Brasil. Emprega mais de 80 pessoas que dependem diretamente dele para seu sustento, dissemina cultura e informação valiosa para milhões de pessoas e merecidamente vem desbancando com sua estrutura enxuta muitos outros grupos de comunicação mais poderosos e tradicionais no país e criando com isso um verdadeiro case de sucesso de comunicação que de quebra apoia vários projetos sociais Brasil afora. Não acredito portanto, que se Monark fosse um monstro com ideologias Hitlerianas, que estaria envolvido em tamanho projeto de conteúdo positivo e grandiosamente aceito por grande parte da sociedade e copiado por tantos outros podcasts que seguiram em sua “cola” ao perceberem seu estrondoso sucesso.
Monark foi sim ingênuo, irresponsável, inconsequente e infantil ao não dar valor ao poder que tem (ou tinha) de influenciar o pensamento de milhões de pessoas por meio das entrevistas e participações de centenas de pessoas influentes que fizeram e ainda fazem parte do show que espero sinceramente tão cedo não acabe por conta de um deslize sério como esse, mas que só tomou as proporções que vemos hoje por conta desta cultura de cancelamento que dita as regras de comportamento em nossa sociedade. Em termos grais, digo que se você não pertence ao grupo de “lacradores” ou “haters” que estão sempre em busca de algum vacilo de alguém famoso para despejar seu caminhão de julgamentos e xingamentos online, você não é ninguém hoje em dia. Se você não se juntar ao time dos que, por meio das mídias sociais, não deixa passar a oportunidade de postar uma mensagem com os dizeres agressivos mas ridiculamente óbvios do tipo: “Se você for nazista, caia fora do meu Instagram”, você não é uma pessoa digna de atenção. Dããããã.
Todos buscamos atenção, todos queremos ser aceitos na sociedade, mas os meios pelos quais muitos de nós usamos para isso podem estar escondendo um costume ou atividade que sinceramente questiono aqui serem inteiramente positivos para a sociedade que dizemos estar defendendo.
Sabemos por certo que o advento da Internet e das mídias sociais deu voz à expressão de todo tipo de ideia que antes era limitada às mesas de bar com amigos ou em casa com familiares. A internet colocou no mesmo patamar críticos intelectualizados e estudados com ignorantes que nem se dão ao trabalho de verificar se a informação a qual disseminam é de fato real e digna de menção. Muitas vezes nem leem o conteúdo de maneira correta antes de o criticarem. Interpretam errado o texto, não entendem o conceito, invadem o “timeline” de outras pessoas e as xingam em suas postagens por julgarem ser contrarias ao que pensam e iniciam assim um bate-boca ridículo e desnecessário mas que parece dar uma certa dose de “adrenalina” em suas vidas vazias e desprovidas de conteúdo mais nobre. Em um movimento tido como “democrático”, todos hoje possuem o mesmo espaço para expressar suas ideias por mais negativas e violentas que sejam para uma audiência que pode atingir o “mundo” ao invés do grupo seleto de amigos do botequim da esquina como era antigamente. Esta percepção de empoderamento e a ideia de ter sua postagem curtida por alguém é extremamente estimulante do ponto de vista neural e estudos comprovam que os níveis de ocitocina, adrenalina e dopamina injetados no cérebro atingem pontos extremamente altos quando da constatação que sua postagem ganhou aprovação de outras pessoas que deram um simples “like” no seu texto criticando alguém ou alguma ideia a qual você discorda por ser diferente do que “acredita” ser verdade. Ser “curtido” nos dá prazer imenso e fazemos qualquer coisa para sentir isso, mesmo que seja fazer parte de um grupo de críticos que nem sabem ao certo do que estão falando. No caso de Monark em especifico, milhares de pessoas sentiram este imenso “prazer” em terem suas críticas curtidas ao postarem seus comentários de cancelamento no vídeo em que ele inutilmente se desculpava do vacilo que deu e por estar bêbado, o que certamente não ajudou em nada. Como diz o autor e polemico professor canadense Jordan Peterson: “Nunca peça desculpas para uma audiência sedenta de sangue”. E assim, tocamos a vida, de lacração em lacração.
O politicamente correto instituiu regras de tolerância zero sobre a intolerância e usa a internet e mídias sociais para reinar soberano na sociedade atual. Até aí tudo bem, já estava mesmo na hora disso acontecer, mas há que se saber como fazer isso, senão vira uma ditadura opressora dos bons costumes. Não se pode mais publicamente expressar ideias que contenham, mesmo que de brincadeira, uma mera menção de algo que poderá ser minimamente interpretada como sendo preconceituosa contra minorias de gênero, raça, posição social ou qualquer outro grupo com posição mais desafortunada na sociedade. Isso está certo, mas há que se saber como fazer isso, senão você combaterá ódio com ódio e não vai funcionar. Isso seria muito bom também se garantisse de verdade direitos iguais às pessoas e eliminasse de vez por todas as diferenças sociais criando assim a paz entre os povos. Mas será que está sendo eficaz da forma que deveria? Da forma que está sendo feita, por meio de massacres públicos e gerais de um “infrator” como o Monark estaria o PI trazendo maior entendimento entre as pessoas ou servindo somente como um meio para elas se sentirem seguras ao pertencer à um grupo de haters que os acolhe curtindo suas postagens de ódio e intolerância pela intolerância? Como todo sistema imposto a força, a percepção do politicamente correto torna-se a de um esquema autoritário e até mesmo ditatorial que governa pelo medo. Hoje em dia temos verdadeiro medo de fazer alguma brincadeira ou dizer algo que possa ser interpretado como ofensivo e que portanto lhe forneça de imediato a pecha de fascista, monstro ou algum outro adjetivo que mereça cancelamento imediato. Não sabemos quem dita as regras do PI, mas vivemos com receio de burlar tais regras nem tão claramente explicadas e este receio em demasia cria um verdadeiro medo e “medo” está longe de garantir uma existência pacífica entre as pessoas que acho ser justamente o que essa nova tendência deveria pregar.
É obvio que o desrespeito e ódio pelas minorias deve ser combatido. “Minorias” é na verdade um conceito de interpretação duvidosa. Minoria quer dizer menor em número, sim, mas e daí? Ser menor, menos representativo em número, quer dizer “mais fraco”? mais fraco que o que? Mas o modo de combate-lo e elimina-lo através de xingamentos coletivos e cancelamentos gerais em mídias sociais cria exatamente aquilo que tenta-se eliminar: ódio generalizado agindo sobre o medo de ser taxado de criminoso e não ser aceito pela sociedade. Se você está tão seguro assim de seu valor pessoal, de sua posição em relação a sua orientação sexual, de sua raça e de suas ideologias, por que então precisaria de vir à público expressar sua indignação contra um apresentador de comportamento obviamente infantil e despreparado que traz à tona um assunto já super manjado, que nunca mereceu tal atenção antes das mídias sociais virem a comandar nossas ações e modo de comunicarmos? Nazismo e outros assuntos datados não deveriam mais ser discutidos e se ofender com isso ainda em pleno 2022 só revela o quão frágil e imaturos ainda somos. Precisamos aprender com a história e não nos tornarmos eternos reféns dela, sofrendo com suas consequências quase um século ainda depois. Somos todos tão vulneráveis e infantis quanto o Monark que não tem noção do que realmente poderia fazer com o poder que tinha nas mãos para coisas mais produtivas. Isso é preocupante.
Mas quem dita as regras sobre o que é certo ou errado, politicamente errado ou não, e quem determina se alguém deve ser cancelado por ter quebrado uma dessas regras? Aqueles que se sentem ofendidos? E o que acontece quando TODOS os membros de uma sociedade sentem-se ofendidos quando suas ideias não são correspondidas por terceiros? Não estamos aí criando uma sociedade frágil, formada por pessoas inseguras que se ofendem por qualquer piada ou vacilo cometido por um idiota que nem merece atenção e que perde tempo falando de uma babaquice que há muito se extinguiu do mundo?
A razão deste texto não é a de colocar em cheque nossas tendências de comportamento que são movimentos naturais que combinam a força da tecnologia do momento que nos permite atingir mais pessoas com um simples clique ou agradar a alguém com um simples “like”, com a vontade de tornar a sociedade mais justa e desprovida de elementos que justamente ajudam a criar mais separação, mas a de questionar se de fato estamos criando mais igualdade e justiça ou apenas alimentando nosso ego pessoal por meio de curtidas nas nossas postagens cheias de ódio e ironia mas que nos fazem sentir parte de um “grupo” unido. Não estaria este senso de justiça moral escondendo motivos pessoais de aceitação na sociedade? Não estaríamos usando um bode expiatório que cometeu um deslize para, ao chutarmos o “cachorro morto” sentirmos parte de um grupo e assim garantirmos a honra da sociedade contra os “invasores malignos e nazistas” que comprometem nossa paz e colocam em risco nossa já tão frágil ideia sobre nós mesmos? Não estaríamos nós então ao sair fazendo passeata nas avenidas sobre nosso direito de termos nossa orientação sexual respeitada confirmando nossa fragilidade sobre tal assunto? Superioridade muitas vezes requere um não envolvimento com as coisas que te afligem pois ao dar atenção demasiada ao que te incomoda você está justamente enfatizando o problema ao invés de soluciona-lo e ao sentir prazer por fazer parte do grupo de críticos você está desviando sua atenção para aquilo que diz estar lutando contra, como se dissesse: “Vou xingar esse maldito nazista porque o assim fazendo, mostrarei ao mundo que sou f*** e ganharei alguns amigos e algumas curtidas mesmo que no fundo não esteja na verdade nem aí para o que o Monark diz”. Vou fazer carinha de ofendidinho e comentar com todo mundo lá no trabalho o tanto que estou chateado com o babaca do Monark assim alguém pode me achar cool. Grande engano. Vc será cool o dia que parar de participar de movimentos que ditam pra ti como agir e se comportar e assumir seus problemas e forças pra você mesmo. Só assim terá poder. Não se engane.
Para se ter ideia do tamanho do problema, vemos em ação dúzias de outros podcasters e influenciadores digitais vindo em vídeo criticar a ação do Monark com ares de paladinos da justiça e defensores da moral quando na verdade se sentem aliviados que um “competidor” deles tenha vacilado e botado os pés pelas mãos. É um tal de discurso de honra por parte de idiotas imitadores do Monark que me faz de fato questionar se estamos no caminho certo e maduro para uma sociedade mais justa e igualitária ou se estamos somente buscando ainda como as eternas crianças que somos, aceitação do mundo para nosso discurso de ódio. Na verdade agimos pior que crianças, pois elas não carregam ódio em seus corações. O dia em que buscarmos aceitação por nossa capacidade de crescer de maneira adulta por meio de calarmos diante de vacilos alheios e focarmos no que realmente importa para de fato criarmos uma sociedade justa e voltada para o futuro e não hipocritamente voltada para conceitos passados como “nazismo”, daí sim, chegaremos a um lugar que vale a pena estar. Por enquanto só estamos recriando erros do passado para explicar nossa miséria no presente, só estamos enaltecendo nossos egos em troca de migalhas na forma de curtidas em nossas “lindas” e inteligentes postagens de ódio e ironia para mostrar o quão f***sticos nós somos. Que pena. Sugiro então que antes de cancelar alguém, se sua motivação para isso é mesmo a melhoria da sociedade como um todo ou se é somente mais um ato para acariciar seu velho e desgastado ego.
O mundo será mais produtivo para todos se focarmos mais em ignorar discursos que consideramos ofensivos, nos preocuparmos mais em educar do que criticar e criarmos regras mais maduras para coibir tais atos que demonstrem opressão e preconceito ou discursos de ódio, que poderão de fato influenciar algumas pessoas a pensarem desta forma também, mas para isso, a demonstração exagerada de indignação por tais vacilos só estará enfatizando e aumentando a atenção para o inútil e tirando energia do foco em reeducar o povo no sentido de darmos o peso certo para as coisas. Mais educação, mais classe, mais foco em positividade e certamente menos vaidade, julgamento e menos mimimi, por favor.