Um mapeamento feito por pesquisadores do Instituto Aurora de Educação em Direitos Humanos mostra que os últimos quatro anos representaram um desmonte nas políticas voltadas para a Educação em Direitos Humanos (EDH) no Brasil, seguindo um movimento de enfraquecimento dos direitos humanos como um todo. O estudo, que acaba de ser publicado, buscou compreender o cenário atual da institucionalização da EDH e como ela está inserida nas políticas públicas do país, dos estados e do Distrito Federal. Um primeiro panorama foi feito para o biênio 2019-2020. Já o novo documento representa uma atualização, considerando os anos de 2021 e 2022. A ideia é que, até o final do ano, os resultados alimentem uma plataforma on-line que poderá ser acessada por profissionais da gestão pública.
O Panorama da Educação em Direitos Humanos no Brasil: biênio 2021-2022 destaca a descontinuidade de órgãos e projetos voltados para a EDH. A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), do Ministério da Educação (MEC) – responsável pela EDH –, e o Pacto Universitário para a Educação em Direitos Humanos (lançado em 2017 também pelo MEC), foram extintos logo no início da gestão Bolsonaro, em 2019. “Uma das funções da SECADI era implementar o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, visando à efetivação de políticas públicas em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino. Já o Pacto Universitário fomentava temas relacionados à EDH no âmbito do ensino, da pesquisa, extensão, gestão e convivência universitária e comunitária”, explica o coordenador da pesquisa, André Bakker, que é doutorando em Filosofia na linha Ética e Política pela Universidade Federal do Paraná e gestor de pesquisa e projetos do Instituto Aurora.
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Com as mudanças, a pasta de EDH saiu do âmbito da educação e foi inserida no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Outra medida tomada na gestão Bolsonaro foi a extinção, via decreto, do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH), uma importante instância de participação da sociedade civil, criada em 2003. “Continuamos vendo a desarticulação na área. Desde abril de 2022, a coordenação geral da Educação em Direitos Humanos está vaga. Depois que a ex-coordenadora saiu do cargo, ninguém a substituiu”, alerta Bakker.
A EDH é composta por várias frentes e pautas independentes, relacionadas à formação de consciências que sejam antirracistas, que busquem igualdade de gênero e que se oponham a todo e qualquer tipo de discriminação e preconceito. “Parte de um olhar para o modo como as pessoas são educadas para que se reconheçam e reconheçam os outros como sujeitos de direitos humanos e compreendam o valor da democracia”, complementa o coordenador da pesquisa.
Com as Eleições 2022, o panorama também serve de suporte para que gestores e gestoras públicas conheçam o contexto atual da Educação em Direitos Humanos no Brasil e saibam identificar ações que devem ser priorizadas.
Visão sobre os estados
A pesquisa também avaliou o nível de institucionalização da EDH em todos os estados da federação e no Distrito Federal, a partir de três eixos: a existência de órgãos colegiados ativos de EDH; a existência de um plano estadual de EDH ou outro documento orientador para o tema; a existência de um órgão público estadual voltado à implementação da EDH. As informações foram classificadas de acordo com o nível de institucionalização da EDH: nenhum; baixo; médio e alto.
A pesquisa identificou que menos da metade (12) das unidades federativas possuem nível médio ou alto. Na categoria alta, aparecem os estados de São Paulo, Espírito Santo e Alagoas. Já na categoria média estão Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Tocantins, Amapá, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Piauí. Seis estados apresentaram nível baixo – Mato Grosso, Acre, Bahia, Sergipe, Paraíba e Ceará.
“Essa avaliação não significa, necessariamente, que existam ações efetivas em execução nestes estados, apenas que eles mostraram possuir esses órgãos, o que é fundamental para tal execução. Essa análise será objeto da próxima etapa da nossa pesquisa, prevista para ser lançada em dezembro”, ressalta Bakker. Em dois estados, Rio Grande do Sul e Goiás, não foi identificado nenhum nível de institucionalização. Nos demais estados (6) no Distrito Federal não foi possível constatar a existência de órgãos por falta de dados. “Procuramos as informações em sites institucionais, via e-mail e telefone. Muitas vezes, tivemos dificuldades porque ainda há uma lacuna no quesito transparência e ainda há bastante desconhecimento sobre o que é Educação em Direitos Humanos”, acrescenta.
Para Michele Bravos, mestra em Direitos Humanos e diretora executiva do Instituto Aurora, lançar luz sobre o cenário da EDH no Brasil gera maior compreensão sobre a importância da área para o entendimento de valores universais que direcionam a uma vida digna a todas as pessoas. “É grave que um governo desestabilize essa política. Isso influencia os estados, que também ficam enfraquecidos”.
A intenção do Instituto é que, a partir do Panorama da Educação em Direitos Humanos no Brasil, seja gerado um banco de dados para que gestores públicos, pesquisadores, organizações e pessoas interessadas possam acessar os dados de uma forma mais interativa e conhecer boas práticas adotadas em outras localidades. “Em 2023, faremos um trabalho intenso de advocacy para fomentar o debate sobre EDH durante o ano todo. Esperamos gerar impacto, principalmente, nos 100 primeiros dias de governo”, planeja Michele Bravos.
O Panorama da Educação em Direitos Humanos: biênio 2021-2022 em pdf já está disponível para download e inclui entrevista com a Natammy Bonissoni, na época coordenadora-geral de Educação em Direitos Humanos, dentro do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e atualmente diretora de Promoção e Educação em Direitos Humanos. Já o Panorama da Educação em Direitos Humanos: biênio 2019-2020 está disponível neste link.