Apurações da Polícia Federal apontam que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) teria sido “instrumentalizada” para monitorar ilegalmente uma série de autoridades e pessoas envolvidas em investigações, e também desafetos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
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O uso indevido da Abin teria ocorrido quando o órgão era chefiado por Alexandre Ramagem (PL-RJ), aliado de Bolsonaro que, atualmente, é deputado federal. Ramagem foi alvo de uma operação da PF nesta quinta-feira (25)
De acordo com decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), divulgada nesta quinta, há indícios de que a Abin teria atuado ilegalmente em:
apuração sobre o caso das ‘rachadinhas’ no gabinete de Flavio Bolsonaro, senador e filho do ex-presidente
investigação sobre tráfico de influência contra Jair Renan Bolsonaro
ações de inteligência para descredibilizar as urnas eletrônicas
monitoramento de promotora do caso Marielle Franco
vigilância dos ex-deputados Rodrigo Maia e Joice Hasselmann
monitoramento do ministro da Educação, Camilo Santana, quando era governador do Ceará
suposta ação para associar autoridades a facção criminosa
Flávio Bolsonaro e o pai em foto de 4 de outubro.
REUTERS/Adriano Machado
‘Rachadinhas’ no gabinete de Flávio Bolsonaro
No caso do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), há indícios de que a Abin atuou na “preparação de relatórios” para defesa do parlamentar no caso das “rachadinhas”.
No início do mandato de Bolsonaro na Presidência, Flávio foi acusado de recolher parte dos salários dos servidores de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), no período em que ele era deputado estadual. Posteriormente, a investigação foi anulada pelos tribunais superiores.
Em entrevista à GloboNews, Flávio Bolsonaro negou ter recebido informações da Abin e disse que alegação feita pela PF é “absurdo completo”.
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Renan Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, em foto de 17 de outubro de 2022
Ueslei Marcelino/Reuters
Tráfico de influência de Jair Renan
A polícia apontou a Moraes que, sob a direção de Ramagem, a Abin trabalhou “para interferir em diversas investigações da Polícia Federal, como por exemplo, para tentar fazer prova a favor de Renan Bolsonaro, filho do então presidente Jair Bolsonaro”.
Segundo a PF, “no ano de 2021, foi instaurado inquérito policial federal para apurar suposto tráfico de influência perpetrado pelo senhor Renan Bolsonaro. Entre as circunstâncias, havia a premissa do recebimento pelo investigado de veículo elétrico para beneficiar empresários do ramo de exploração minerária”.
A diligência da Abin neste caso, ainda de acordo com a PF, teve o objetivo de produzir provas de que o carro estava em posse “de um dos principais investigados – sócio de Renan Bolsonaro”, e não do filho do então presidente.
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Urna eletrônica modelo 2022
Alejandro Zambrana e Antônio Augusto/Secom TSE
Ataques às urnas
A decisão de Moraes afirma ainda que, segundo a PF, foram encontrados diálogos entre ex-servidores da Abin sobre “ações de inteligência” para ataques às urnas eletrônicas e ao processo eleitoral. A decisão, no entanto, não traz detalhes sobre como foram essas ações.
“As supostas ‘ações de inteligência’ foram realizadas sob a gestão e responsabilidade de Alexandre Ramagem, conforme se depreende da interlocução entre Paulo Maurício e Paulo Magno [ex-gestões da Abin] tratando do ataque às urnas eletrônicas, elemento essencial da atuação das já conhecidas ‘milícias digitais'”, escreveu Moraes.
“As ações realizadas em detrimento do sistema eleitoral eram feitas com viés totalmente politizado conforme se depreende das declarações: [?] O evento relacionado aos ataques às urnas, portanto, reforça a realização de ações de inteligência sem os artefatos motivadores [que justificariam a medida], bem como acentuado viés político em desatenção aos fins institucionais da Abin”, anotou Moraes, em trecho extraído do relatório da PF.
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Marielle Franco e Anderson Gomes foram mortos no dia 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro
Reprodução/TV Globo
Marielle Franco
Na decisão divulgada nesta quinta, Moraes afirma que “ficou patente” o uso da Abin para o monitoramento de uma promotora responsável pela investigação das mortes da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro, e de seu motorista, Anderson Gomes. O crime ocorreu em março de 2018.
“A CGU [Controladoia-Geral da União] identificou no servidor de impressão [da Abin] resumo do currículo da Promotora de Justiça do Rio de Janeiro coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados perpetrados em desfavor da vereadora Marielle Franco e do motorista que lhe acompanhava, Anderson Gomes. O documento tem a mesma ausência de identidade visual nos moldes dos relatórios apócrifos da estrutura paralela”, diz a PF.
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Os ex-deputados Rodrigo Maia e Joice Hasselmann, em imagem de 2019
Michel Jesus/Câmara dos Deputados
Rodrigo Maia e Joice Hasselmann
A lista dos espionados inclui a ex-deputada Joice Hasselmann, que era aliada de Bolsonaro no início do mandato, mas rompeu com o ex-presidente.
Também foi alvo de espionagem o ex-deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara na primeira metade do mandato de Bolsonaro. Os dois ex-parlamentares se tornaram desafetos do ex-presidente.
A decisão não fala em qual contexto ambos foram monitorados.
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Ministro da Educação, Camilo Santana.
Fabiane de Paula/SVM
Camilo Santana
De acordo com a investigação, um servidor da Abin “teria sido flagrado pilotando um drone nas proximidades da residência do então governador do Ceará, Camilo Santana (PT-CE)”, sem justificativa técnica para tal ação.
A decisão de Alexandre de Moraes não apresenta mais detalhes sobre o contexto do suposto monitoramento do petista pela Abin.
Atualmente, Camilo Santana é ministro da Educação do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
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Segundo apurações da PF, os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes foram espionados pela Abin sob o comando de Alexandre Ramagem
Nelson Jr./SCO/STF
Associação entre autoridades e facção
Conforme as investigações, foram localizadas anotações que indicam que servidores da Abin tentaram associar deputados federais e ministros do STF a uma facção criminosa de São Paulo, com o intuito de desmoralizá-los.
No caso do STF, foram coletas informações sobre o julgamento de uma ação, a ADPF 579, que tratava de visitas íntimas em presídios, e a participação de uma ONG nessa ação.
Nesse contexto, segundo a PF, “identificou-se anotações cujo conteúdo remete à tentativa de associar Deputados Federais, bem como Exmo. Ministro Relator Alexandre de Moraes e outros parlamentares à organização criminosa PCC”.
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