“Finalmente eu havia compreendido por que assistia a tantas séries. Porque minha vida, no final das contas, não tinha plot twists decentes”, diz Talita, a personagem da obra “Minha Vida é um K-drama”, da curitibana Gaby Brandalise. É um típico drama adolescente: a grama do vizinho é mais verde. Todos se divertem mais, os pais dos outros não são tão chatos, todos são mais maduros, mais bonitos, mais vividos. Talita, no auge de seus catorze anos, precisa lidar com a tragédia de nunca ter beijado antes!
A narrativa em primeira pessoa e o contexto atual em que ela está inserida, recheada de referências de séries (especificamente K-dramas, as famosas novelas coreanas), linguajar adolescente e redes sociais, cria um elo entre leitor e Talita. Para Gaby, o principal desafio para criação desta linguagem empática, foi falar de conflitos com os quais os jovens se conectem. Neste sentido, ela avalia como ser adolescente hoje em dia é um período que não foi experienciado por nenhuma, ou talvez apenas uma, geração anterior.
• Clique aqui agora e receba todas as principais notícias do Diário de Curitiba no seu WhatsApp!
“A tecnologia potencializou questões como a disseminação de ódio e a exposição de pessoas. Sofrer por amor ou errar com amigos nesta era digitalizada pode tomar outras proporções. E transmitir a angústia e os desafios que os jovens de hoje precisam enfrentar, em uma linguagem que faça eles sentirem tudo isso na pele, era o meu principal foco”, explica a autora.
Os adolescentes se sentem expostos de diversas formas, principalmente com a presença significativa das redes sociais em suas vidas, e a vergonha é uma companheira constante nesta fase. Em uma fase de descoberta e construção de identidade, as experiências parecem definidoras de personalidade, principalmente ao serem validadas. Neste aspecto, Gaby centraliza a história no constrangimento que Talita sente por nunca ter beijado antes. A falta desta experiência deixa a personagem insegura sobre si e sua vida “desinteressante”, assim, vemos uma história que se desenrola, a princípio, em cima disso. De acordo com Gaby, “é uma preocupação em não ser vista como marginalizada em um grupo de colegas que possuem muito mais experiência que ela. É uma fase em que a gente está desenhando a nossa própria identidade, e ser olhado com desdém ou julgamento por não ter vivido o que todo mundo já viveu, pode ser muito dolorido”.
Entretanto, quando Talita é convidada para o baile da escola pelo seu crush, decide que não pode suportar a vergonha de não saber beijar. Assim, ela propõe um acordo ao único aluno coreano da escola, Joon, para ensiná-la a beijar, e ela o ajudaria a melhorar suas notas. Conforme os personagens se encontram e se conhecem, Talita passa a desconstruir a visão estereotipada da cultura coreana, e passa a enxergar Joon de uma forma diferente. Vemos, então, como Gaby amplia a questão do primeiro beijo, dando significado a esta experiência e ainda agregando outros sentidos, ao explorar a cultura de Joon.
“O primeiro beijo é um momento marcante. A gente chega na vida adulta contando essas histórias de como foi a experiência para nós. Porque ela nos acompanha para a vida. No livro, o beijo simboliza para a Talita, a protagonista, não só uma descoberta, mas a quebra de crenças em que ela vai rever muitas das certezas que ela tinha sobre os amigos, sobre o amor e sobre ela mesma”, conta Gaby.
A autora destaca outro ponto importante de sua obra, que é como a autodescoberta de Talita também advém do fato dela se permitir. O público leitor, adolescente, passa por censura de diferentes origens, a partir de julgamentos dos colegas ou até influências familiares. Ter firmeza em assumir os próprios desejos, e até entendê-los, é um desafio para qualquer idade, e não apenas no âmbito da sexualidade. Gaby traz, assim, essa discussão identitária mais ampla a partir do tema do beijo.
“A sexualidade é apresentada como uma espécie de tesouro escondido, que a Talita encontra a partir do toque com outro adolescente que a atrai, mas ela não entende bem o porquê. A personagem descobre o próprio desejo vivendo e experimentando, se conectando com pessoas que ela não imaginava que quereria por perto, tentando novas coisas, se permitindo. A permissão é um ponto importante da jornada da Talita, assim como a maturidade que exige se responsabilizar por essas escolhas”, diz.
Desta forma, o que vemos no livro de Gaby Brandalise, lançado em agosto pela Editora Intrínseca, é um retrato interessante de como é a atualidade para os adolescentes. Ao trazer um tema clássico da adolescência, o primeiro beijo, a autora revela um complexo de angústias comuns da fase, e agravadas pelos sentimentos de inadequação e exposição originados pelas redes sociais. É uma história de desenvolvimento de uma personagem que parte da busca por validação a partir de uma experiência, e finaliza com Talita mais livre para assumir e lidar com suas ações e, principalmente, desejos.
Por Cassiana Tozati